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Minha velha máquina de escrever

12 fev 2016 às 15:54

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Era uma Hermes portátil, de cor levemente acinzentada, que ganhei de meu pai quando vim estudar jornalismo em Londrina. No começo eu não sabia datilografar, mas aos poucos aprendi na marra, sem curso nem manual. Datilógrafo, no sentido técnico, é aquele que usa todos os dedos para escrever à máquina; nunca tive tal maestria. Até hoje eu cato milho: uso só os indicadores. Considerando essa limitação, até que escrevo com certa rapidez.

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Naquela máquina meu pai já escrevera contos muito interessantes, memórias do tempo de faculdade, quando morou na Casa do Estudante, na Avenida São João, em São Paulo. Três desses contos estão no livro "Diário de Moby Dick", que publicamos juntos, um livro a quatro mãos entre pai e filho. Quem sabe um dia o Pedro também escreva um livro comigo.

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Não há porque alimentar romantismos e nostalgias em relação à máquina de escrever. Era um equipamento precário. Escrever um jornal ou um livro inteiro à máquina, como faziam os jornalistas e escritores até a geração imediatamente anterior à minha, era quase um ato de heroísmo. Meu pai não escrevia seus contos e crônicas direto na máquina; primeiro usava um caderninho e caneta esferográfica, que preenchia com sua letra miúda. No começo, eu fazia exatamente o mesmo. Só me sentava diante da máquina depois de ter um rascunho feito à mão. O jornalismo acabou me obrigando a escrever direto na máquina, mas até hoje mantenho o caderninho e a caneta sempre por perto, fiéis cúmplices das minhas anotações. Nunca saio de casa sem eles.

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O aparecimento do computador, que até 1990 era coisa de ficção científica para mim, pode ter trazido lá os seus problemas, como a nossa excessiva dependência da máquina. Mas os benefícios foram imensos. Só o fato de não ter parar todo o raciocínio para corrigir um simples erro de digitação é um salto de dimensões astronômicas. Poder escrever e reescrever um parágrafo sem ter de usar uma só vez o maldito Errorex — é uma verdadeira bênção, meus amigos!


Lembro-me de uma noite que passa em claro datilografando um trabalho para a faculdade. Eu morava na famigerada República da Pracinha da Humaitá, onde os loucos jamais deixavam de entrar e um dos quartos tinha saída direta para a cozinha. Entre goles de Coca-Cola e guaraná em pó, a noite avançava tão pesadamente quanto as teclas de minha máquina. Conforme as horas iam passando, a qualidade da minha datilografia se tornava pior — e tome Errorex. O ponto final veio às seis e meia da manhã, com os ônibus 305 da Grande Londrina já passando pela Humaitá rumo ao campus universitário. Entreguei o trabalho - uma análise cultural sobre uma telenovela de Silvio de Abreu! — pontualmente nas mãos do falecido professor Eduardo Judas Barros, cuja voz até hoje sei imitar bem, apesar dos protestos da Rosângela. (Boa aluna, ela entregou o trabalho com antecedência, não passou a noite em claro, usou muito menos Errorex e ainda tirou nota melhor que a minha.)

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Para esse trabalho, tive de usar uma máquina emprestada, porque a Hermes, a esta altura, já era manca de A. Explico-me. Por uso excessivo, a tecla da letra A se quebrou e eu tinha preguiça de levá-la ao conserto. A preguiça, aliás, não era o principal motivo. Eu gostava de chamar as meninas bonitas para colocar as letras A com caneta Bic nos meus textos lá na República. Nós que não somos bonitos precisávamos de certas estratégias. Curioso é que a Rosângela, na época, não caiu nessa conversa.


Meu pai sempre dizia: Tolstói não usou máquina para escrever Guerra e Paz. Imagine aqueles milhares de páginas escritas à mão! Cervantes, Shakespeare e Flaubert também trabalhavam com tinta e papel. Virgílio, coitado, devia viver pedindo papel ao imperador Augusto. E Homero teve que decorar seus versos antes que alguém se dispusesse a registrá-los. Além de tudo o homem era cego…


Hoje temos programas de computador que nos auxiliam de todas as maneiras pensáveis na redação, revisão, compilação e pesquisa de textos. Nem por isso — ou talvez exatamente por isso — existem escritores da grandeza de um Tolstói no mundo atual. Deus não dá asa a cobra, já dizia o caipira.


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