Em primeiro lugar quero destacar que eu havia gostado da ideia de levar cultura ao povo, de fazer atividades culturais gratuitas nos bairros, como está fazendo a Fundação Cultural de Curitiba. Sempre estou a favor do povo, porque em qualquer lugar do mundo o povo é, geralmente, explorado. O povo é a verdadeira vítima das guerras.
A ficha caiu quando um escritor me disse: "Isabel, você não está percebendo a situação. Essas atividades são boas, mas os artistas não recebem nenhum pagamento. Desse jeito, continuamos considerando os artistas como vagabundos. Uma boa política cultural deve considerar esse assunto".
Refleti sobre o comentário do escritor. Artistas, poetas, palestrantes, são trabalhadores da área cultural e merecem receber pelo trabalho realizado. Lembrei-me de uma piada que escutei há algum tempo: Um músico e um poeta sobem em um táxi. Começam a falar com o taxista e este pergunta em qual área eles trabalhavam. -Eu sou músico e meu amigo é poeta. Responde o músico. - Tudo bem, disse o taxista, mas em qual área vocês trabalham?
Ou seja, literatura e música não são áreas de trabalho - ao menos não são consideradas confiáveis, como trabalhar na indústria ou no comércio. É preciso mudar essa visão errada.
Refletia sobre o assunto, quando li um texto do Ricardo Corona. Ricardo é um dos grandes poetas do Paraná, um pensador independente e incentivador cultural. Na continuação a reprodução do texto:
Réplica à resposta do Cordiolli
[Ricardo Corona]
O presidente da Fundação Cultural de Curitiba, Marcos Cordiolli, em entrevista ao jornal Metro, amontoa declarações que ficam pairando entre nadas e nenhures, demonstrando, nas entrelinhas, que está refém de uma crise maior, mas também da sua própria ideia de gestão cultural pública. Simplesmente, não há proposta, projeto e muito menos políticas públicas para a cultura. Entre vácuos e sobrenadas, o tom é genérico e o que se percebe é que a sua estratégia de gestão é dividir antes de pensar o problema da divergência e das diferenças. Não aprendeu ainda que diferenças são tipos diferentes de riquezas culturais. Incluir não pode ser o duplo gesto da exclusão. Conheço dezenas de trabalhos artísticos que foram produzidos nos últimos anos em Curitiba-para-o-mundo cuja potência está justamente no pensamento criativo que advém dos confins a partir do centro ou dos próprios confins. Cito alguns nomes: Newton Goto, Claudia Washington, Luana Navarro, Felipe Prando, Faetusa Tezelli e Elenize Dezgeniski et e al. Que se dê o privilegio de trocar com estes que têm conhecimento de causa e estão aí para a conversa com quem quer que seja. Certamente existem inúmeros outros que tenho conhecimento. Particularmente, como um curioso indomesticado, gostaria de conhece-los. O que se está falando aqui, com todas as letras e abertamente, é que não são os conteúdos que estão em jogo, muito menos as classes, mas os modos, os processos, as formas que são sociais e, portanto, políticas. Dividir a potência criativa de uma comunidade entre bairro e centro, entre burguesa e não burguesa, é risível, não fosse o doce e bem bom quereres destes mesmos modos de produção, ou melhor, o domínio da máquina cultural, cujo jugo somente deseja outra máquina, a do estado ou a do mercado. Quando não afinam em comunhão. Pois quando o estado lança mão no controle, parece-se com o mercado. Isto se chama neoliberalismo. Temos que avançar e pensar a cultura como devir ou potência que deve acontecer acima ou ao largo de tudo. Mercado e estado são meros mecanismos para as formas, os modos, os processos, que são sociais e, portanto, repito, políticos. O estado e o mercado existem no depois da cultura. Não são nada no antes e podem ser no depois. Por isso, perde-se o senso, absolutamente, quando um gestor cultural vem a público para dizer que os que se mobilizam, assim o fazem porque "perderam privilégios". É uma ofensa que agride todo o rizoma da criação e, consequentemente, a cadeia produtiva da máquina cultural. Porque aqueles que ora afinam o coro dos descontentes, do movimento Frente Acorda Cultura Curitiba e outros, esteja certo, somam a maioria dos que faíscam a cultura por esses platôs curitibanos. Por isso, reafirmo, é lamentável que um gestor, em entrevista-balanço-de-final-de-ano, faça questão de jogar fora mais uma oportunidade de diálogo com os artistas, sejam esses do bairro ou do centro, provocando uma divisão danosa e estúpida. Privilégio é ganhar bem e não fazer o mínimo. Os artistas têm feito. Até praça de ciclista os artistas têm feito.
[Ricardo Corona]