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"See You in Hell, my friend!!!"

08 fev 2018 às 10:57
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O Diabo é possivelmente imortal, mas certamente surgiu em dado momento. - Vilém Flusser

Refrão-título, poderoso e apocalíptico, que ecoa em nossas mentes desde 1983, ano de lançamento do disco (em vinil) intitulado See You in Hell (Reino Unido: Ebony Records) do grupo de heavy metal inglês Grim Reaper. Na verdade, trata-se, em seu todo, de uma letra ingênua e apelatória, bem de acordo com os temas infernais do rock pesado. Todavia, aprecio-a sobremodo por sua qualidade musical e não por uma eventual mensagem que possa transmitir.


Embasbaquem-se senhoras e senhores, trinta e um anos transcorrem-se e o Grim Reaper reaparece, e em Londrina!!! E, vivos ainda, o grupo para tocar e eu para assistir a ele!!! Da formação original subsiste apenas Steve Grimmett, com jeito de "tiozão", mas resguardando sua estentórea voz. O show teve lugar no bar Hush, no domingo (dia 4 de maio) à noite. Munido de muito saudosismo para lá me dirigi. Confesso que foi um dos momentos mais importantes e emocionantes da minha vida.

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Abrindo parêntese. O passar dos anos e as experiências com humanos fazem-me perder o encanto e o gosto pela "tietagem", destarte, não pedi autógrafos nem dedicatórias; como antes achava o máximo. Tem razão o escritor siciliano Giuseppe Tomasi di Lampedusa quando afirma que as revoluções têm de existir para que tudo mude e continue a ser o mesmo de antes. Esse "tudo" se aplica às pessoas, e a sua maravilhosamente encantadora natureza.

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Alf, o Eteimoso, em sua fase headbanger
Alf, o Eteimoso, em sua fase headbanger


Bom, retornemos àquela fantástica ocasião da minha existência. O ambiente encontrava-se tranquilo e respeitoso, o que é praxe em festivais e espetáculos de heavy metal. Estavam presentes headbangers (em português, metaleiros) de todas as gerações: molecada, trintões, quarentões e cinquentões, como eu. Quase todos de cabelo curto e usando camisetas pretas. Por muito pouco mesmo, não fui trajado da minha camiseta havaiana legítima supercolorida. Só para praticar um ato de inconformismo.

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A sequência de hard rock/heavy metal shows teve início com a banda maringaense Haze Hamlet, diga-se de passagem, excelente. Depois, em ordem, o Grim Reaper e a holandesa Picture, também veterana (criada em 1979) e, portanto, repleta de "tiozinhos" animados, que ainda sentem prazer de tocar e de constatar que o público está curtindo. O ápice da loucura divina (que é o mesmo princípio do sopro divino, há muito descrito na Bíblia) deu-se na hora da canção-título dessa narrativa. O público ficou ensandecido e se jungiu – em corpo e alma - a Steve. Tenho trinta e sete anos de perambulações por shows e/ou festivais de rock e heavy metal no Brasil e no exterior, mas, jamais havia testemunhado um coro entoado com tamanha força, tamanha raiva. Catarse em sua máxima amplitude!!! Aliás, esta que é a principal função reconfortante do heavy metal. Pareceu-me o grito desesperado - e último - da humanidade que já não crê em si própria.


Diária e constantemente, tanto nas ruas como por meio das mídias tornamo-nos vítimas testemunhais de um completo desfile gratuito de violência contra a boa educação, contra a solidariedade desinteresseira, enfim, contra o que resta de pessoas boas nesse planeta. O que vale, hoje, é ser "chocante" (Como se ainda, em nosso mundinho humanal, sobrasse alguma "pixonga" para chocar!), "estúpido", "semi-analfabeto funcional", "irado". E assim vai caminhando a coisificação. Há algo que pode ser considerado de valor ou de beleza para semelhantes Homo sapiens sapiens?!...
[...] Não... E dou um exemplo. Em concertos AO VIVO (de qualquer estilo de música), nota-se aquele oceano de braços e mãos estendidas a filmar com celulares, "ai-phodes", "não-phodes" ou com outros "que-se-phodes" quaisquer, durante o tempo todo, enquanto seus ídolos (as) se encontram próximos em carne e osso nos palcos. Que esperteza invejável, não! Em vez de contemplarem-nos a olhos e ouvidos nus, pagam fortunas pelos ingressos e ficam, como escravos da mais parva vaidade, gravando, desajeitadamente, "filmezinhos" que logo brotarão em enxurradas no youtube. Pessoas - não tão inteligentes- ficam em casa e, de graça e com inenarrável conforto, assistem aos mesmos shows em suas supertelas de TV ou computador. É a desditosa constatação de que a grande massa não consegue entender a diferença entre o real e uma imagem (o virtual). Como diria o escritor Ítalo Calvino: "[...] Depois bastou o advento de gerações desatinadas, com imprevidente avidez, gente se amizade por nada, nem por si mesma, e tudo então mudou..." (CALVINO, 1991, p. 120). Mudou para muito muito pior.

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Espiritualização, aquela antiga ascese do corpo, mudou-se na Renascença para a figurativização, para a transformação da matéria em imagem. No entanto esta visibilização do invisível meteu-se desde o início do século em uma crise cujos contornos continuam obscuros. Trata-se da tentativa de exonerar o corpo, não pela repressão, mas pela substituição: ao invés do corpo humano, preferem-se as imagens do corpo [...] Assim, uma imagem nunca será apenas uma presença, mas também uma ausência.
- Ditmar Kamper (grifo de Adriano Alves Fiore)


Pintura de Eugène Delacroix representando Dante, Virgílio e Caronte durante a travessia do Rio Estige em A Divina Comédia
Pintura de Eugène Delacroix representando Dante, Virgílio e Caronte durante a travessia do Rio Estige em A Divina Comédia


Óbvia e infelizmente para o futuro da humanidade ainda sã, as catervas não são capazes de experimentar uma sensação de presença. De uma ausência então... Nenhuma chance. Tudo é rápido e facilmente substituído para elas por cataratas de "tranqueiragens". "Homens (mulheres, etc.) pequenos veem grandeza fácil para não se sentirem menores do que são!" (frase contida no filme The Savage de 1952, com Charlton Heston). Quem sabe seja esta a grande explicação para a inacabável manifestação de ignorâncias e cretinices que se vê aqui e no exterior.


Se já falei sobre o inferno sartriano, não faz mal, nunca é demais reprisá-lo. Sua obra teatral Entre quatro paredes narra a história de três pessoas que não se conhecem, mas são obrigadas a viver eternamente juntas. Por fim, um dos personagens, desesperado, suplica: "Abram, abram, vamos! Eu aceito tudo: as botinadas, os ferros, o chumbo quente [...] Quero sofrer para valer..." (ECO, 2007, p. 89). A explicação sartriana é simples: "[...] Fornalhas, grelhas... Ah que piada. Não precisa de nada disso: o inferno são os outros".

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Jean-Paul sabe, mui acertadamente, que a convivência é a questão cardeal entre todos os bípedes implumes metidos a racionais. Na peça, ele a chama de "lugar aterrador final", onde se convergem todos os tormentos infernais e que supera todos os castigos e a violência dantescos. É o coletivo do bicho-homem, traduzido em sua forma de relacionar, ou seja, o convívio humano. Eis o verdadeiro - e único – inferno!!! João Gimarães Rosa reforça essa tese. Seu Grande Sertão assim se encerra: "[...] Amável o senhor me ouviu, minha ideia confirmou: que o Diabo não existe. Pois não? O senhor é um homem soberano, circunspecto. Amigos somos. Nonada. O Diabo não há! É o que eu digo, se for... Existe é homem humano. Travessia.".


Rejubilai-vos filhos (as) de Adão, Eva, Lilith, Hitler, Idi Amin Dada, etc., o báratro está aqui e agora!!!


P.S. E não adiantam nada apelações com rezarias baratas, apenas procurem fazer o bem para vocês e, se sobrar um tempinho, para os outros também.

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA, e lida in totum


ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia. São Paulo: Abril Cultural, 1981.

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ARIÈS, Philippe. História da morte no Ocidente. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Saraiva, 2012.


BAITELLO Jr., Norval. A Era da Iconofagia: ensaios de comunicação e cultura. São Paulo: Hacker, 2005.

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BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na idade média e no renascimento – o contexto de François Rabelais. Trad. Yara Frateschi Vieira. 4. ed. São Paulo/Brasília: Edunb/HUCITEC, 1999.


______. Problemas da poética de Dostoiévski. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1981.


BAUDRILLARD, Jean. América. Rio de Janeiro: Rocco, 1986.


CALVINO, Ítalo. O Barão nas árvores. 4ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.


ECO, Umberto. História da feiura. Trad. Eliana Aguiar. 1ª impressão. Rio de Janeiro: Record, Brasil; Bompiani: Itália, 2007/2008.


FLUSSER, Vilém. A História do Diabo. São Paulo: Annablume Editora e Comunicação, 2006.

ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.


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