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VIRTUALIDADES

02 jul 2014 às 17:32

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Outra vez, essas saudades bizarras. Sentir falta de pessoas que nunca vi, de ruas que não andei, da sombra de árvores que há muito foram ao chão (hoje não passam de fósseis que pensamos ser pedras). Essas esquisitices vem de longe. Meu avô tinha isso. E ao que parece o avô do meu avô também, segundo afirmam os tios mais velhos. Eles conhecem as histórias da família desde tempos que verdade e imaginação andavam juntas. Diziam que minha avó não teve existência real. Meu avô a viu num sonho durante duas noites, daí apaixonou-se e casou. Foi desse sonho que nasceu minha família.

Fico sempre impressionado com isso. Nossa descendência vem de uma avó inexistente. E não são poucas as evidencias de que isso é verdade. Esquisito ou não, verdade ou não, fato é que vez por outra, me surpreendo morrendo de saudade de uma rua arborizada e silenciosa na qual nunca estive. E lá vou eu a mergulhar numa lembrança dentro dessa lembrança e vejo ali uma cidade calma e fraterna.

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Sempre fui assim, diferente dos outros. Descobri essa diferença ao perceber que, quando alguém me falava de um bairro, era sempre possível ir a tal bairro. Pisar nas calçadas, tocar nos musgos nas fendas do meio-fio. Mas as minhas ruas não tem endereço e muito menos as percebo pelos sentidos. Não há fragrância nas flores, não há cores nas casas. Ou melhor. Há tudo isso, mas não há como compartilhar, se é que me entendem.

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Ontem quis visitar uma dessas minhas cidades inexistentes, onde não passei minha infância, não subi nas arvores e nem brinquei na bela praça que circundava a igreja. Não é fácil viver essa não vida cheia de histórias não acontecidas que teimam em ficar gravadas na memória como se fosse um passado real. São, se tanto, um improvável futuro.

Apesar de tudo insisto em remexer essas sombras fugidias, como se a vida só fizesse sentido em procurar o que de antemão sabemos não existir. Há uma semana encontrei um velho desconhecido meu, que me deu um desses abraços só possíveis entre pessoas que se querem muito bem. Falou horas de encontros que não tivemos e experiências não vividas, o que me deu um enorme prazer. Até que nos despedimos.
Fiquei aqui pensando se, afinal, levar a vida olhando o reflexo da imagem não é o que sempre fizemos. Talvez desde que os primeiros homens perceberam essa verdade simples: Esse mundo aqui é de lascar. Melhor a imagem que o objeto.


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