Quando a palmada não deixa marcas, a aplicação do castigo físico terá de ser comprovada por testemunhas, depoimentos ou laudos psicológicos. E vai depender da interpretação do juiz responsável pelo caso. Ele é que definirá se basta um tapa para o pai ou educador ser considerado um fora da lei ou se a punição será aplicada somente em casos de reincidência.
Segundo o promotor de Justiça Wilson Tafner, a Lei da Palmada exclui a necessidade de comprovação da violência por meio de arranhões, hematomas ou vermelhidão pelo corpo da criança e do adolescente. "A definição agora é outra. Castigo corporal passa a ser qualquer ação que resulte em sofrimento. É o mero uso da força física com a suposta intenção de educar", explica.
Sem provas documentadas ou flagrantes, a Justiça pode enfrentar dificuldades para estabelecer culpas e definir punições, segundo o advogado Nelson Sussumo Shikicima, presidente da Comissão de Direito da Família da OAB. "Como consequência, a aplicação da lei não será fácil. E, então, pode ser que ela nem aconteça na prática", diz.
Leia mais:
Ganhador da Mega-Sena morre menos de um mês após resgatar prêmio de R$ 201 milhões
Prazo para envio de títulos no CNU termina nesta quinta-feira (5); veja próximos passos
STF retoma julgamento sobre responsabilidade de redes por conteúdos
Percentual de jovens que não estudam nem trabalham é o menor da série histórica, diz IBGE
De acordo com especialistas, evitar a omissão é outro desafio imposto pela nova legislação. Isso porque a Lei da Palmada determina que profissionais das áreas da saúde e da educação, como médicos e professores, relatem às autoridades casos de castigos conhecidos nas escolas, creches, consultórios ou hospitais. Atualmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) já prevê essa comunicação, até com o pagamento de multa em caso de omissão (de três a 20 salários mínimos), mas em casos conhecidos de agressão.
Quando a violência é extrapolada a ponto de levar a criança ao médico, o caso é facilmente observado e, por isso, comunicado. O mesmo não ocorre diante de um castigo mais discreto, como um beliscão ou um puxão de cabelos praticado dentro de casa, sem testemunhas.
Para o promotor Tafner, no entanto, a aprovação da proposta forçará as pessoas envolvidas na criação de uma criança a prestar mais atenção no seu comportamento. "Acredito que isso acontecerá como um reflexo natural."
O resultado mais importante, porém, segundo ele, é o preventivo. "O grande mérito dessa lei deve ser a mudança de mentalidade. Não acredito que os pais deixarão de impor limites. Isso é absolutamente necessário para se educar um filho. Mas não é preciso retroagir, apelar à palmada, que só oferece efeito imediatista e não resolve nada."
Denúncia
Relatos sobre a aplicação de castigos contra crianças e adolescentes deverão ser feitos a conselhos tutelares ou representantes da Justiça, que serão responsáveis pela comprovação da violência.
As regras para a punição de pais que usam da violência aguda dentro de casa também continuam as mesmas. Apenas casos de maus-tratos - e não palmadas - poderão render prisão e perda do poder familiar.
Os principais pontos
Castigo físico
Como é: Não há definição específica no texto atual do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
Como fica: Define castigo como ação de natureza disciplinar, com uso da força física, que resulte em sofrimento ao menor
Exemplos de castigo físico
Como é: Não há definição sobre o tema
Como fica: São as punições moderadas, como palmadas, beliscões, empurrões e puxões de cabelos
Punição
Como é: Só há punição para casos comprovados de maus-tratos, que rendem até prisão
Como fica: Acompanhamento psicológico e até aplicação de advertências judiciais