A Justiça cancelou o direito de posse de uma fazenda no Pará com a área do tamanho da Holanda e da Bélgica juntas. Ainda cabe recurso à ordem judicial. Na década de 1990, o caso foi apontado pela imprensa como a maior grilagem do mundo.
A decisão foi tomada no dia 25 de outubro, pelo juiz federal substituto Hugo Sinvaldo Silva da Gama Filho, da 9ª Vara da Seção Judiciária do Pará que cancelou a matrícula da Gleba Curuá no Cartório de Registro de Altamira (sul do estado).
Na sentença, a área da gleba é descrita com a extensão de 4,7 milhões de quilômetros quadrados (km²) e estaria ilegalmente em posse da Indústria, Comércio, Exportação e Navegação do Xingu Ltda (Incenxil), empresa do grupo C.R. Almeida (com matriz no Paraná) e fundada pelo engenheiro Cecílio do Rego Almeida, morto em 2008.
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A decisão judicial da última semana põe fim a um processo iniciado há 15 anos, quando o Instituto de Terras do Pará (Iterpa) pediu a nulidade do registro porque a propriedade era baseada em contratos de arrendamento "precários" e "provisórios", sem validade de posse, e um memorial descritivo que multiplicava a plotagem de quatro áreas arrendadas de 4,35 mil km² (17,4 mil km² no total) para os 4,7 milhões.
A primeira ação contra a posse da área foi assinada pelo então diretor jurídico do Iterpa, o procurador Carlos Alberto Lamarão Corrêa, hoje presidente do Instituto. Em entrevista à Agência Brasil, ele apontou que Cecílio do Rego Almeida tinha conhecimento de que a terra não era legal. "Ele se locupletou [usou situação para enriquecer] de uma situação irregular", disse Lamarão.
Na petição original, é descrito um encontro no Iterpa em 1995 com três assessores (advogados) de Cecílio do Rego Almeida a quem teria sido dito que não havia nenhum registro de título definitivo naquela área, "que pudesse ensejar a mais tênue dúvida quanto à ilegalidade dos documentos cartoriários existentes". Em março do ano seguinte, há um novo encontro com os mesmos assessores que "comunicaram à diretoria do Iterpa que o Sr. Cecílio Rego de Almeida havia decido comprar as ditas terras, 'por ser um homem empreendedor, destemido e arrojado'", descreve a ação.
Para o presidente do Iterpa, o conhecimento prévio da ilegalidade das terras, a ampliação da área (em mais de mil vezes) e a manifestação dos advogados mostram que não houve boa fé, conforme alega a defesa.
Carlos Lamarão salienta que o Estado do Pará acumula problemas de indefinição fundiária. "Até hoje encontramos pessoas com títulos paroquiais", lembra, ao fazer referências à titulação de terras que eram feitas a partir de declarações nas igrejas do interior entre 1854 e 1891. Segundo ele, a situação que há muito tempo de indefinição, "se agravou com o decreto-lei 1.1164/1971 que retirou 70% do controle das terras do Pará", e também segue indefinida com a atuação de diversos órgãos estaduais e federais responsáveis pela titulação, demarcação e autorização de uso das terras."Essa balburdia facilitou a grilagem, mas não justifica", assinala.
O presidente do Iterpa não sabe quanto da área grilada pertence ao Estado do Pará e promete inventariar o território para estabelecer uma política fundiária. De acordo com a sentença da Justiça Federal há na Gleba Curuá um floresta nacional; duas terras indígenas; dois projetos de assentamento além de três faixas de terra registradas em nome da União.
A reportagem da Agência Brasil pediu entrevista por telefone e por email com o juiz Hugo Sinvaldo Silva da Gama Filho, com a advogada de defesa Francineide Amaral Oliveira; e com os herdeiros de Cecílio do Rego Almeida, por meio do escritório da CR Almeida, em Curitiba (PR), mas não teve resposta positiva.