A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou agravo do River Jungle Hotel (Ariau Amazon Towers) e manteve decisão que reconheceu a existência de vínculo de emprego entre o hotel e um grupo de índios que, por cinco anos, ficou à sua disposição para realizar apresentações para os turistas. As apresentações eram pagas pelos hóspedes, e o valor cobrado era controlado pelo hotel, que vendia pacotes turísticos que incluíam várias "atrações", entre elas visitas às malocas.
A ação civil coletiva foi ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho da 11ª Região (MPT-AM) e pelo Ministério Público Federal. De acordo com procedimento administrativo instaurado pela Procuradoria da República no Amazonas, o grupo de 34 índios (entre adultos, adolescentes e crianças) da etnia tariano foi contatado em dezembro de 1998 por um representante do hotel para, mediante remuneração, fazer apresentações de rituais indígenas para os turistas ali hospedados. O local das apresentações ficava a oito minutos de "rabeta" (barco com motor de popa) da sede do hotel.
Para chegar até o local, os índios iam de barco com motor de popa fornecido pelo hotel até o Km 37 da estrada Manaus-Manacaparu, onde pegavam um ônibus até o município de Cacau Pereira e, dali, uma balsa até Manaus. Segundo o Ministério Público, o hotel vendia as apresentações em forma de pacote, no valor de 25 dólares por pessoa. A remuneração dos índios, segundo os autos, era um rancho que às vezes mal alimentava o grupo e, mais tarde, um "cachê" de R$ 100 por apresentação, a ser dividido entre os índios adultos.
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Ainda de acordo com os depoimentos, no início, as apresentações eram feitas no meio da mata, sem estrutura. O cacique tariano acabou convencendo a empresa de que o grupo não poderia ficar abandonado no meio da mata, esperando os turistas, e o hotel então forneceu material para que eles próprios construíssem malocas.
Nas três ou quatro apresentações semanais, os índios, por determinação do hotel, deviam oferecer comidas e bebidas típicas e o "manono", cachimbo usado nos rituais sagrados. O material usado nos rituais - folhas de palmeiras, cipó, pau-brasil, sementes, bambu, etc. – eram trazidos pelo próprio grupo, que deveria estar sempre pronto para as apresentações, a qualquer hora do dia e início da noite, inclusive aos sábados e domingos.
Em 2003, um relatório de viagem elaborado pela Fundação Nacional do Índio (Funai), em viagem aos rios Cuieiras e Ariaú, constatou as dificuldades vividas pelas comunidades locais – pobreza, falta de escolas para as crianças etc. A partir do relatório, a imprensa de Manaus noticiou os fatos, e o hotel, depois de convocar os índios para uma reunião, dispensou-os sem nenhuma forma de compensação trabalhista.
Dano moral
Os depoimentos colhidos pela Funai e pelo MPT revelaram diversas situações constrangedoras às quais o grupo era submetido. Segundo os indígenas, muitas vezes os turistas tentavam tocar nos seios das mulheres. No contato com os hóspedes, não podiam falar português, e eram proibidos de circular na área do hotel. Eram, ainda, submetidos a condições degradantes: segundo os depoimentos, a alimentação era feita dos restos da comida do hotel, "muitas vezes podre, o que ocasionava muitas doenças nas crianças". Quando não havia apresentação, o grupo também não recebia a comida do hotel. "Eles dão arroz, feijão e macarrão, mais ou menos cinco quilos de cada item, para o grupo todinho, para a semana inteira", disse uma das índias ouvidas pela Funai.
Na ação civil pública, o MPT pediu o reconhecimento da relação de emprego entre os índios e o hotel, com o pagamento de todas as verbas trabalhistas devidas durante o período em que durou a relação entre eles (de 1998 a 2003), e indenização por dano moral no valor de R$ 250 mil, pelos constrangimentos e pela utilização indevida da imagem dos indígenas em campanhas publicitárias, sem a sua autorização.
A Vara do Trabalho de Manacapuru reconheceu o vínculo empregatício e condenou o hotel ao registro nas carteiras de trabalho e ao pagamento das parcelas trabalhistas, indenização substitutiva ao seguro-desemprego e indenização por danos morais ao grupo tariano no valor de R$ 150 mil, sendo R$ 50 mil pelo uso da imagem e R$ 100 mil pelo sofrimento, subordinação e dependência.
A condenação foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (AM/AP), que entendeu presentes os requisitos caracterizadores do vínculo e a total dependência dos índios em relação ao hotel, de quem recebiam diesel, alimentos e condução conforme a conveniência do hotel, em situação que "beirava o trabalho escravo". Rejeitado seu recurso de revista, o hotel interpôs o agravo de instrumento ao TST para tentar reverter a condenação.
Legitimidade do MPT
No agravo, a defesa do hotel questionou, em preliminar, a legitimidade do Ministério Público para representar em juízo o grupo de indígenas, que, segundo ela, têm, de acordo com o Estatuto do Índio (Lei nº 6001/1973, artigo 2º, inciso I) e Estatuto da Funai (Decreto nº 4645/2003, artigos 2º, inciso I, e 3º), de ser representados pela União. representação definida em lei, o Estatuto do Índio). O relator, ministro Lelio Bentes Corrêa, porém, observou que a argumentação confundia legitimidade ativa e capacidade processual.
Ele ressaltou que, no caso, os indígenas eram interessados, e não autores da ação, tornando-se irrelevante a discussão sobre quem deveria representá-los em juízo. "Trata-se de ação civil pública ajuizada em litisconsórcio pelo MPT e pelo Ministério Público Federal em defesa de interesses individuais homogêneos, no regular exercício de suas atribuições institucionais", afirmou. O ministro lembrou também que, nos termos do artigo 129, inciso V, da Constituição da República, cabe ao Ministério Público "defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas".
Contestação
Sobre o primeiro tópico da condenação, a defesa do hotel alegou a ausência de subordinação necessária para se estabelecer o vínculo de emprego e de um elemento, a seu ver, "importantíssimo" – a "vontade de ser empregado". A relação teria ocorrido "casualmente" a pedido dos próprios índios – que podiam ir e vir livremente e vender seus produtos de artesanato. Questionou, também, a condenação por dano moral sustentando que não havia comprovação de eventual repercussão negativa da publicação das fotografias em diversas revistas.
O ministro Lelio Bentes afirmou que, tendo o Regional registrado a presença dos elementos caracterizadores da relação empregatícia (pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação), além da presença de poderes típicos de empregador, "premissas fáticas imutáveis". Com relação à indenização, Lelio Bentes observou que "os danos morais decorreram não só do uso indevido da imagem, mas também do sofrimento impingido ao grupo indígena a partir da exploração do trabalho em condições precárias". O valor fixado baseou-se, segundo ele, em "longa e minuciosa fundamentação" que observou os critérios de razoabilidade e de proporcionalidade diante da gravidade das ofensas, da condição do ofendido e da capacidade financeira do ofensor, como prevê o artigo 944 do Código Civil.
Por unanimidade, a Turma negou provimento ao agravo.