Na quarta-feira, 8 de março, é celebrado o Dia Internacional da Mulher, momento para discussão e reflexão a respeito da questão de gênero no país e no mundo. Mas, afinal, porque é importante falar em direitos da mulher? Dados estatísticos ajudam a responder essa pergunta: segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), as brasileiras trabalham em média sete horas e meia a mais que os homens e recebem cerca de 30% a menos.
Elas também ocupam apenas 19% dos cargos de chefia nas empresas, além de serem vítimas preferenciais de violência doméstica e crimes sexuais. O abismo a ser superado, portanto, é grande. Estimativas do Fórum Econômico Mundial indicam que para se alcançar a igualdade de gênero no Brasil, ou seja, as mesmas condições sociais e profissionais para homens e mulheres, o país levaria perto de 95 anos.
Ciente da relevância do tema, o Ministério Público do Paraná vai apoiar a Marcha Mundial das Mulheres, manifestação global contra a exploração e desvalorização do trabalho feminino, o feminicídio e a violência doméstica, entre outras questões. Pelo menos 50 países integram o movimento, incluindo o Brasil. O MP-PR vai assinalar sua participação com uma paralisação simbólica, de meia hora, das 10h30 às 11 horas, no dia 8 de março. Ainda neste mês, no dia 22, o MP-PR promoverá um encontro para tratar da Lei Maria da Penha, que no ano passado completou 10 anos.
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Desafios – "Nas últimas décadas, as mulheres conquistaram o mercado de trabalho, ocuparam os bancos universitários e obtiveram significativos avanços no combate à violência, mas ainda há muitos desafios a serem superados. As brasileiras ainda têm salários menores que os dos homens, enfrentam acentuada desigualdade em representatividade política e disparidade econômica, além de seguir sofrendo situações de violência, dentro e fora de seus lares", afirma o procurador-geral de Justiça, Ivonei Sfoggia, destacando que, nos últimos 10 anos foram criadas pelo MP-PR nove Promotorias de Justiça para atuar especificamente no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. "Se direitos foram conquistados, muitos outros precisam ser efetivamente garantidos. Por isso é tão importante que a sociedade, as instituições, mulheres e homens se unam na desconstrução de mitos e preconceitos, infelizmente ainda arraigados. O Ministério Público do Paraná trabalha firme neste sentido", diz o procurador-geral.
Além da questão criminal, com atuação nos casos de feminicídio e de violência doméstica, o Ministério Público também intervém em diversas áreas ligadas aos direitos das mulheres, como saúde, trabalho e acesso dos filhos à educação. "A instituição está comprometida com a questão de gênero, tanto na defesa dos direitos já assegurados à população feminina como na busca por mais garantias que contribuam na promoção de uma sociedade igualitária de fato", comenta o procurador de Justiça Olympio de Sá Sotto Maior Neto, coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção aos Direitos Humanos, do MP-PR. Ele cita, por exemplo, a atuação institucional junto às comissões eleitorais e partidos políticos no sentido de garantir a cota de participação feminina nas coligações, de no mínimo 30%, conforme prevê a legislação eleitoral. "É fundamental garantir a presença feminina em todos os espaços, especialmente no cenário político", defende o procurador.
A promotora de Justiça Mariana Seifert Bazzo, que coordena o Núcleo de Promoção da Igualdade de Gênero (Nupige) do Caop de Direitos Humanos do MP-PR, reforça a importância da discussão da questão feminina pelos operadores do Direitos e também pela sociedade civil organizada. "Há pouco mais de 50 anos ainda vigoravam dispositivos legais absurdos, como o Estatuto da Mulher Casada, que legitimava o marido como ’chefe da sociedade conjugal’, estando a mulher obrigada a praticar atos da vida civil somente com sua autorização. A própria Lei Maria da Penha, primeira a tratar da violência doméstica e familiar, acaba de completar dez anos", explica a promotora. "Quando fazemos o recorte histórico, percebemos que se a alteração da própria lei é tão recente, uma mudança da cultura também deve permanecer na pauta", defende.
Saúde da mulher – A promotora de Justiça Andreia Cristina Bagatin, do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção à Saúde Pública do MP-PR, cita um exemplo prático na área da saúde para ilustrar a necessidade do debate contínuo a respeito da questão feminina. "O Ministério da Saúde registra pouca adesão de meninas à vacinação contra o HPV, que previne o câncer de colo de útero. A vacina é gratuita, distribuída pela rede pública, mas enfrenta uma resistência forte das famílias das meninas, que não levam as filhas para vacinar por um receio de que isso estimule o início da vida sexual", diz. "Perdem a chance de proteger aquela mulher em formação de uma doença que mata milhares de mulheres todos os anos por uma questão cultural. É disparatado, mas acontece", conta a promotora.
Sobre os direitos garantidos à população feminina no que tange à saúde, Andreia destaca a cirurgia reparadora para mulheres que passam por mutilação decorrente do tratamento do câncer de mama (que deve ser realizada de imediato, sempre que a paciente tenha condições clínicas para tanto), o direito a mamografias na rede pública quando há indicação médica ou a todas na faixa de rastreamento do Ministério da Saúde (de 50 a 69 anos). "Os Municípios devem garantir o exame. Os menores, que não têm o equipamento, devem pactuar com outros que dispõem do serviço e arcar com todo o encaminhamento das pacientes. Qualquer dificuldade neste sentido pode ser comunicada ao Ministério Público do Paraná, por meio das Promotorias de Justiça distribuídas em todo Estado", diz Andréia.
No caso das gestantes, ela cita o direito a acompanhamento especializado e atenção integral no pré-natal. "São previstas, no mínimo, sete consultas de pré-natal, além de diversos exames determinados em portaria do Ministério da Saúde que devem ser realizados, obrigatória e gratuitamente, e que oferecem mais segurança à mulher e à criança que está sendo gestada", diz a promotora. A mulher ainda tem o direito de saber antes do parto qual a maternidade de referência para o nascimento da criança ou eventuais intercorrências durante a gestação. "Isso busca evitar a peregrinação da paciente no momento do parto ou em caso de emergências. A lei também garante às gestantes o direito a um acompanhante no momento do parto, além de alojamento conjunto com o recém-nascido", afirma. A promotora ainda lembra que as gestantes podem reportar situações de descaso ou violência obstétrica ao telefone 180, além de fazerem o registro do que passaram junto à Ouvidoria do SUS, para que a unidade de saúde e os autores do fato sejam responsabilizados.
Presas – As mesmas garantias valem para as gestantes que se encontram presas. Segundo a promotora de Justiça Raquel Juliana Fulle, do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Criminais, do Júri e Execuções Penais, hoje há 1.342 mulheres presas no Paraná – 650 em carceragens de delegacias de polícia e as demais recolhidas em unidades prisionais situadas em Curitiba (430), Ponta Grossa (50) e Foz do Iguaçu (212). As que se encontram grávidas têm direito ao acompanhamento pré-natal, além de poderem ficar junto com o filho nos primeiros seis meses de vida do bebê, para o aleitamento materno. Depois desse período, a prioridade é sempre o interesse da criança. Assim, cada caso é avaliado individualmente, com foco sempre na proteção da criança.
Raquel também participa do grupo que discute a Política Estadual de Atenção às Mulheres Privadas de Liberdade e Egressas do Sistema Penal do Estado do Paraná (PEAME), comissão multidisciplinar coordenada pelo Departamento Penitenciário (Depen), voltada a garantir a humanização dentro do sistema prisional. "As mulheres, quando presas, têm direito a estar em unidades específicas, separadas dos homens. Nas unidades prisionais, os profissionais que atuam como agentes penitenciários também devem ser preferencialmente mulheres, a presença de homens deve ser exceção", diz a promotora. "As presas que têm vínculo com o INSS e comprovação de baixa renda têm direito a auxílio-reclusão, que deve ser usado em benefício dos dependentes. O valor é regulado pela Previdência Social."
Vítimas de violência – Na área de saúde, mas em outra esfera, nos casos de violência sexual, o MP-PR participa de uma ação conjunta com a Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesa) e o Instituto Médico Legal (IML) para melhorar o atendimento às vítimas. Andréia Bagatin conta que a proposta é garantir que as mulheres que passam por violência sexual não sejam obrigadas a passar por vários exames, em locais diversos, para atestar o abuso. Em Curitiba isso já acontece: uma equipe do IML vai até a unidade de saúde em que a paciente deu entrada e presta o atendimento. Nas demais regiões do Estado a intenção é ajustar um protocolo padrão a ser adotado em todas as unidades de saúde paranaenses. "O objetivo maior é humanizar o primeiro atendimento que é oferecido pela rede pública de saúde às vítimas de crimes sexuais", diz a promotora.
Também nestas situações, em Curitiba, o MP-PR presta um serviço especializado desde novembro de 2013, com o Núcleo de Atendimentos à Vítima de Estupro (Naves). A responsável pela unidade é a procuradora de Justiça Rosângela Gaspari. "O Naves se propõe a oferecer suporte psicológico e jurídico às mulheres maiores de 18 anos e vítimas de violência sexual na capital", conta. Segundo a procuradora, desde que foi instalado, o serviço já fez contato com 374 mulheres, sendo que 117 receberam suporte psicológico – a psicóloga faz inclusive o acompanhamento à audiência, nos casos mais graves. A partir do Naves, a Polícia Civil também passou a centralizar os casos de estupro em um único cartório, o que oferece mais celeridade e eficiência na investigação dos casos e na identificação dos autores.
"Percebemos que a aproximação do Ministério Público, que nestes casos atua na acusação, fortalece essas mulheres. As vítimas compreendem que estamos preocupados também com as sequelas emocionais do crime a que foram subjugadas e não apenas as enxergando como meio de prova", diz Rosângela, citando a questão cultural que ainda marca estes casos de violência. "As vítimas de estupro são alvo de muito preconceito, ainda costumam ser desqualificadas moralmente nas teses de defesa. É absurdo, mas ainda vemos isso, o réu passar a acusador. Se a vítima fosse um homem é certo que não haveria essa linha de ataque", sustenta a procuradora.
Filhos na escola – No caso das mulheres que são mães, a discussão de direitos não raro caminha junto com a dos direitos das crianças e adolescentes. Um ponto que costuma ser bastante importante no caso é o do acesso à educação, especialmente quando se trata de crianças com menos de 3 anos, faixa etária que costuma ser negligenciada no atendimento por vários Municípios por ainda não estar incluída no ensino obrigatório (que começa aos 4 anos). A promotora de Justiça Hirmínia Dorigan de Matos Diniz, da Promotoria de Justiça de Proteção à Educação de Curitiba, conta que a questão da educação infantil está prevista em projeto estratégico do MP-PR desde 2011, com a universalização do ensino para crianças de 4 a 5 anos e a disponibilidade de vagas a todas as crianças com interesse manifesto na faixa de 0 a 3 anos. "É um direito da criança, sim, mas também é um direito que se estende às mães, que trabalham e precisam ter a garantia de que seus filhos estarão bem assistidos. Trata-se de uma questão social importante", diz a promotora.
Na capital, o MP-PR ingressou com ação civil pública pleiteando a garantia de vagas na educação infantil a todas as crianças de 0 a 3 anos que manifestem desejo de ingressar na escola. "As mães que têm algum poder aquisitivo conseguem colocar os filhos pequenos na educação infantil particular, mas a imensa maioria das mulheres que trabalham fora não têm essa condição e precisam ter esse direito garantido", sustenta Hirmínia. "As mães, mesmo as mais carentes, sabem da importância da creche, da educação infantil, na vida dos seus filhos, no impacto positivo que isso vai representar para a criança no futuro, com possibilidade de melhora social real. Oferecer estudo aos filhos é uma possibilidade de quebra de paradigma social. As mães sabem disso", afirma a promotora.
Riscos de retrocesso – A promotora pontua que a discussão pelos direitos da mulher ainda não está esgotada porque conquistas já efetivadas não raro sofrem ameaça. "Temos um exemplo muito significativo disto no âmbito da educação, notadamente na educação infantil", cita a promotora, destacando que os profissionais que integram essa categoria são, majoritariamente, mulheres. Ela conta que, em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases instituiu a Década da Educação, que previa que, em dez anos, essas profissionais deveriam passar a ter ensino superior obrigatório. "Isso se refletiria em um grande avanço profissional e social para essas mulheres, além de implicar na melhoria direta da qualidade de ensino que seria ofertada aos alunos", avalia Hirmínia.
O prazo passou e a meta não foi alcançada. Em 2013 foi editada a Lei Federal nº 12.796, que alterou a LDB, revogando a Década da Educação e voltando com a possibilidade de formação apenas em nível médio para as profissionais da educação infantil. "Foi um recuo imenso, um verdadeiro golpe para a qualificação e valorização destas profissionais, destas mulheres, uma ofensa ao princípio constitucional da proibição do retrocesso social", diz. "Perderam a criança, a professora, a mulher. E o que tiramos disso? Que direitos garantidos voltam a ser desrespeitados, sim. Por isso esse debate não terminará tão cedo. Ainda somos um país calcado em conceitos machistas, daí a importância de seguirmos contestando isso", diz.
Questão de gênero: alguns dados a respeito da situação da mulher no Brasil
- Pesquisa anual do Fórum Econômico Mundial (WEF, em inglês) aponta que seriam necessários 95 anos para que mulheres e homens atingissem situação de igualdade plena no Brasil – seriam 169 anos até a paridade em âmbito mundial;
- O mesmo levantamento aponta que estamos na 79ª posição no ranking da igualdade de gêneros;
- Estudo divulgado nesta semana (6 de março) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que a jornada total média de trabalho das mulheres é de 53,6 horas, enquanto a dos homens marca 46,1 horas (dados de 2015).
- A Síntese de Indicadores Sociais (SIS 2016), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que a jornada de trabalho doméstico dos homens é de dez horas semanais. As mulheres têm em média 20 horas da semana dedicadas aos afazeres domésticos. Detalhe: a média masculina se mantém desde 2005.
- A renda das brasileiras equivale a 76% da renda dos homens;
- Cerca de 40% dos lares brasileiros são de responsabilidade de mulheres;
- Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 35% das mulheres em todo mundo é vítima de violência física e/ou sexual;
- Dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, de levantamento a ser apresentado em maio, apontam que em 2015 foram registrados 137.248 casos de violência interpessoal contra mulheres;
- O principal agressor foi cônjuge/ex-cônjuge/namorado(a)/ex-namorado(a), respondendo por 33,8% das notificações;
- O local onde preferencialmente ocorreu a violência foi a casa das vítimas (63,4%).