Réus da Operação Voldemort, interrogados ontem à tarde pelo juiz da 3ª Vara Criminal, Juliano Nanuncio, apresentaram uma versão para tentar refutar a acusação do Ministério Público (MP) de que o empresário Luiz Abi Antoun, parente distante do governador Beto Richa (PSDB), seria o líder de uma organização criminosa que fraudou a contratação de sua empresa, a oficina mecânica Providence, de Cambé, registrada em nome de um "laranja", o mecânico Ismar Ieger. A Providence fechou contrato emergencial por seis meses com o estado, ao custo de R$ 1,5 milhão, para a manutenção de viaturas e ambulâncias, por exemplo.
A tese dos acusados, que tratam a denúncia do MP como "fantasiosa" e "absurda", é que Abi e Roberto Tsuneda, sócio de Abi na empresa KLM, alugaram o barracão onde estava localizada a Providence e faziam sim aportes ao mecânico, mas, eram empréstimos que seriam restituídos. Abi e KLM teriam sido investidores da oficina. Porém, os réus se contradisseram, especialmente Abi e Ieger.
Ieger, o primeiro a ser ouvido – seu interrogatório demorou mais de duas horas – garantiu que era o verdadeiro dono da Providence, que a montou com dinheiro próprio (cerca de R$ 50 mil), proveniente de acerto de trabalhos anteriores, mas não soube dizer se foi Abi quem o procurou para oferecer o barracão ou se foi ele próprio a ligar para o empresário. Acredita que foi um oficial da Polícia Militar quem o indicou para Abi. Relatou que após alguns meses de trabalho, começou – devido a sua má administração – a ter dificuldades financeiras para manter o negócio. Resolveu pedir ajuda financeira a Abi. Solicitou que ele lhe comprasse equipamentos necessários aos consertos, incluindo elevadores de automóveis.
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Já Abi, em depoimento de menos de uma hora, assegurou que ainda na fase de criação da oficina fez aportes: pagou pela reforma do prédio e resolveu os elevadores e outros equipamentos, que teriam sido disponibilizados à Providence por meio de locação. O motivo: Ieger não tinha capital suficiente para montar a oficina e era "um bom mecânico".
Para justificar outros pagamentos de dívidas da Providence pagas pela KLM ou Abi, os réus disseram que se tratava de empréstimos que posteriormente seriam quitados por Ieger; que não ajudá-lo financeiramente poderia implicar o protesto de títulos e a suspensão das atividades. Assim, ficaria mais difícil receber as parcelas mensais de aluguéis.
Várias vezes, em seu depoimento, Abi tratou a tese do MP como absurda. Um dos argumentos do empresário é que o lucro a ser auferido com a fraude seria pouco. Afirmou ter feito as contas: supondo-se que o grupo conseguisse ficar com 20% do contrato com o Estado (R$ 1,5 milhão) e dividindo-se o montante entre os sete réus, dará para cada uma "usufruir R$ 30 mil. Em seis meses, é cinco mil por mês", comentou. "Eu não precisava disso. Eu tenho duas indústrias, que vão muito bem."
O advogado José Carlos Lucca, acusado de ter prestado auxílio jurídico às fraudes, considerou a denúncia "fantasiosa". Advogado de Abi desde 2008, afirmou que atuou apenas profissionalmente. Outro que negou envolvimento foi o policial militar Ricardo Baptista. À imprensa, afirmou que na Polícia Militar, a sindicância contra ele foi arquivada. O último a depor, já no início da noite, foi Tsuneda, que também negou os crimes de organização criminosa, fraude à licitação e falsidade ideológica. "Sou inocente neste enredo escrito pelo Ministério Público."
"Há, de fato, diversas contradições nos depoimentos dos réus, mas isso será analisado caso a caso", comentou a promotora Leila Schimiti.
PRISÕES
Ieger, que em alguns momentos expressou sarcasmo, ficou bastante nervoso a ser confrontado com os diálogos provenientes de escutas telefônicas que revelam relação de subordinação a Abi. Ao relatar o momento de sua prisão, em 16 de março, quando outros réus da Voldemort foram presos, quase chorou. "Eu não sou bandido". Disse que foi "torturado psicologicamente" por policiais do Gaeco, que o teriam pressionado para que confirmasse que a oficina era de Abi e que teriam praticado excessos, como o fato de o terem segurado pela camisa e revirado coisas do quarto de sua filha bebê. Também afirmou que já estava condenado pela mídia.
O advogado de Ieger, Mauro Martins, pediu que a ata da audiência de ontem fosse levada às corregedorias das polícias civil e militar para apurar o suposto comportamento ilegal dos agentes. "Queremos que isso seja investigado".
Sobre os supostos excessos, Leila disse que "todas as instituições são fiscalizadas no âmbito interno" e "se houver qualquer tipo de reclamação" o advogado deverá fazê-la formalmente.
O momento de emoção de Abi se deu ao responder sobre a participação de seu sócio, Roberto Tsuneda, ao final do depoimento. Chorando, afirmou que "esse cara é um santo... mas foi tratado como um bandido. Só eu deveria ter sido preso".
NULIDADE
Alguns advogados avaliam pedir a nulidade da audiência de ontem. Acreditam que seus clientes foram prejudicados porque foram interrogados antes de suas testemunhas terem sido ouvidas em outras comarcas.
As audiências do processo da Voldemort começaram na quarta-feira: 18 testemunhas de defesa e acusação foram ouvidas até sexta. Há dezenas de testemunhas que moram em outras cidades que serão ouvidas em suas comarcas. Os outros dois réus do processo – empresário Paulo Midauar e Ernani Delicato (ex-diretor do Departamento da Transporte Oficial do Estado, onde a dispensa de licitação foi feita) serão ouvidos em novembro e dezembro em suas comarcas (Bandeirantes e Curitiba).