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A History of Violence

10 jan 2006 às 11:00
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Há 10 anos, quando comecei a ficar viciado nesse lance de cinema, passei a procurar os filmes de Cronenberg. Um amigo, um pouco maluco, um tanto erudito, me dizia que seus filmes marginais dos anos 70 eram proféticos, que haviam previsto a aids e todas as demais epidemias que estão por vir. A SET, uma publicação decente nos anos 80, reverenciava Mistérios e Paixões com cinco estrelinhas. Nunca tinha visto antes um filme com essa cotação na revista, o que me deixava mais curioso ainda...

Bem, assisti a quase tudo dele. Inclusive, o primeiro filme que vi no Ouro Verde, em Londrina, foi Crash... comecinho de 97. Mas não esperava me surpreender tanto em uma sessãozinha que encarei em Marília, no Cinemais, ao lado do DJ Rodman, nos últimos dias de 2005. As Marcas da Violência é realmente uma aula de cinema. Uma obra madura, com fluência narrativa tão harmoniosa que esse filme é capaz de encantar a todos os públicos, desde os mais criteriosos até o pessoal da pipoca e cia.

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O primeiro plano é de um vigor impressionante. A câmera acompanha lentamente dois amigos que conversam antes de um assassinato. A leveza da abordagem visual, a ausência de sons explosivos e as falas corriqueiras realçam a gravidade da situação de tal modo que você simplesmente sabe que algo irá acontecer ali. Cronenberg não nos dá pista alguma, deixa tudo vago, até que surge o desfecho.

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Outro fato a se destacar é que estamos lidando com uma obra situada em uma esfera pretensamente para além de bem e mal. Não há maniqueísmos vulgares, como nos tradicionais filmes policiais made in USA, muito menos soluções fáceis para os dilemas vividos pelos personagens. Cronenberg sequer emite sua opinião sobre a violência neste filme. O diretor parte de um estrutura dramática minimalista para expor fatos que se ligam a uma esfera muito maior: a gênese e a justificativa da violência na sociedade americana.

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Assim como Gus Van Sant em Elefante, Cronenberg não quer explicar a violência, nem revelar a sua origem. Não cabe aqui a dúvida que aponta a violência para dentro do homem ou para a sua vivência em sociedade. O diretor está interessado em alguns aspectos que alguns diretores já sondaram, por exemplo: como se constrói o american dream, a sociedade de economia estável e bens duráveis, de moral conservadora e ao mesmo tempo a mais liberal do planeta? Como se mantém este sonho? Ignorando o passado, as suas raízes, buscando uma nova identidade?


Em um nível mais profundo, Cronenberg mostra por meio de fragmentos como um homem se rende a ideais comuns de bons costumes, tendo de refrear os seus instintos mais naturais, para levar uma vida aparentemente pacífica, com solidez financeira e emotiva. Essa gênese do bem-estar americano, ao menos neste filme, passa por uma jornada de extrema violência, confirmando o velho paradoxo de que para conquistar a paz é preciso atravessar muitas guerras.

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Mas o filme não se torna magistral só pelas questões que provoca. A abordagem de Cronenberg a todo este material é praticamente perfeita. Alguns exemplos: ele constrói o núcleo familiar de um modo tão ideal que aos poucos você percebe que alguma coisa está por ruir ali. A solidez moral do protagonista é tão forte que demoramos para admitir a possibilidade que ele tenha sido mesmo um assassino. E, ao saber de seu passado, não há como culpá-lo ou perdoá-lo. Simplesmente não há reação moral possível. O que resta ao espectador é acompanhar a jornada deste anti-herói até o desafio final, em que diante de sua família, se reintegra ao sonho americano, mas com todas as chagas de seu passado expostas.


De toda a iconografia clássica de Hollywood, o filme que mais lembra As Marcas da Violência é, sem dúvida, Shane, de George Stevens, western clássico em que Allan Ladd tenta recomeçar a sua vida e esquecer seu histórico de violência. Para se adaptar ao novo mundo, e ser introduzido a uma nova sociedade, toda a violência que ele pretendia renegar vem à tona como única e última forma de aceitação social.


No fundo, o que resta do filme de Cronenberg, de Stevens, e de clássicos que narram a trajetória de heróis marginais [Raging Bull, de Scorsese; Madigan, de Don Siegel; The Getaway, de Sam Peckinpah] é uma certeza um tanto penosa de que não há como fugir daquilo que se é. Aliás, a mais nobre tarefa da humanidade seria, sob esta ótica, a busca incessante de se tornar aquilo que se é.

Cronenberg contribui de forma maravilhosa para esta jornada.


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