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Sua Única Saída, de Raoul Walsh

04 set 2015 às 08:00
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Existe uma diferença muito significativa que marca a passagem do Cinema Clássico para o Cinema Moderno. No primeiro, o Homem é vítima das suas circunstâncias – não importa o que ocorra, ele nunca assumirá o controle sobre o seu destino. O mundo é algo dado a priori – o Homem é aquilo para o que ele nasce e não há como mudar essa condição básica. Já no Cinema Moderno há uma esperança – o Homem é feito de suas escolhas. Ele tem a opção de mudar e ao mesmo tempo ser o senhor do seu destino. A câmera passa a ser posicionada na altura dos olhos: o mundo passa a ser algo em permanente transformação.

Lançado a 2 de março de 1947, Sua Única Saída (EUA, Pursued, 101 min), um dos filmes mais conhecidos do legendário diretor americano Raoul Walsh (1887-1980), é marcado por essa linguagem híbrida. O filme parte inicialmente de uma premissa trágica – Robert Mitchum (1917-1997) interpreta Jeb Rand, um veterano de guerra que é perseguido pelas pessoas que mais ama – a sua própria família. Essa família no entanto o adotou, o que causa um ciúme cada vez mais crescente em um dos irmãos e uma paixão avassaladora pela própria irmã.

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Visto inicialmente como um Western, o filme apresenta desde o início uma abordagem visual barroca, com o nítido uso de luzes e sombras para acentuar as contradições dos personagens. Nesse sentido o filme se aproxima de outro gênero marcante dos anos 1940 – o Film Noir, código narrativo célebre pelas personagens sinuosas e sombrias, que não se encaixam na moral de sua época. É por isso talvez que tenhamos nesse filme do católico Walsh o percurso trágico de um herói de guerra, apaixonado pela irmã de adoção e que se vê diante de duas mulheres muito fortes para a época: a jovem piedosa Thor Callum (Teresa Wright) e sua mãe, a Sra. Callum (personagem fúnebre e soturna interpretada por Judith Anderson).


Todo esse embate moral que marca o personagem de Mitchum adquire proporções épicas ao ser filmado por outra lenda do cinema americano: o diretor de fotografia James Wong Howe (1889-1976), autor de incontáveis clássicos, e que possui um dom natural em movimentar a câmera de uma forma que em retrospecto nos revela um movimento interior dos personagens.

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Com cenas rodadas em Gallup, no Novo México, e nos estúdios da Warner em Hollywood, o filme é marcado pela trilha carregada do austríaco Max Steiner (1888-1971), mas tem como contraponto o notável trabalho do roteirista Niven Busch (1903-1991). Conhecido por filmes como The Postman Always Rings Twice (1946) e Duelo ao Sol (1946), Busch é mestre na composição de personagens desajustados, que apesar da índole positiva, são sempre renegados pela sua origem. No caso de Mitchum, nesse filme de Walsh, ele vem de uma família mal vista pelo clã dos Callum, e deve ser perseguido tão somente por ser um descendente. Como se o católico Walsh estivesse a nos dizer que o Homem carrega em seu peito uma cicatriz desde o seu nascimento, e que o seu percurso, de caráter trágico, embora flexível, é no fundo uma incapacidade de retorno a sua origem. A vocação de um personagem como esse seria também a sua perdição: a errância, a vida nômade, sem paradeiro fixo e estabilidade emocional.


A única saída que Walsh propõe aos seus personagens seria justamente o confrontamento dos seus demônios internos e a sangria na própria carne. Pois só a partir desse ponto, quando se adquire a primeira cicatriz em sua jornada, o nosso herói tornar-se-ia senhor de si mesmo e estaria livre para prosseguir em seu objetivo inicial.

Rodado em preto-e-branco no formato 1.37:1 (tela mais quadrada), Sua Única Saída tem até nesse aspecto técnico o emblema de ser um filme fora do tempo. Pela sua dramaturgia, poderia ser uma história mítica, presente em mitologias e afins. Pela sua linguagem, é tanto um Western crepuscular como um Film Noir de personagens femininas marcantes. Pelo acaso do destino, tornou-se um filme ligado ao universo Pop – trata-se do último visto pelo cantor Jim Morrison (The Doors) na noite em que faleceu: 3 de julho de 1971. Mas no fundo Sua Única Saída é uma obra do legendário Walsh: um falso filme de aventuras de aspecto trágico porém redentor - nada menos que excitante.


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