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Piás, moleques, pêras e jabuticabas

12 mai 2003 às 10:59

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Nasci em Curitiba, fui criado em Jacarezinho, Norte Velho do Paraná. Meu pai, descendente de europeus - italianos e suecos. Minha mãe, de mineiros e portugueses. Como fui muito cedo para lá, aos 45 dias, posso dizer que quase nasci pé-vermelho e deve ser por isso que não falo como curitibano, leitchê quentê.

Por ter passado minha infância em uma região agrícola, guardo profunda ligação com as coisas da terra, dos tipos caboclos, da comida mineira, do jeito meio matuto, tímido e bicho do mato. Acho que esta influência é que me fez criar há muito tempo uma série de TV chamada Bicho do Paraná, em que promovíamos a nossa maneira cabocla de ser.

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Vivi cercado de sítios, rios, matas e retirantes. Em frente à minha casa, quase na entrada da cidade, paravam no Posto do Gentil os caminhões carregados de bóias frias que iriam trabalhar nas lavouras de café e cana. Estou falando dos anos 1950.

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As compras eram realizadas em armazéns, sempre repletos das tralhas usadas nas fazendas: selas, panelas, lampiões, facões, enxadas, panos de chita, cobertores corta-febre e uma infinidade de produtos que já nem existem mais. Nunca me esqueço que no armazém do Setti, bem em cima, quase no teto, havia caixas de chapéus Prada e na entrada da loja, placas do querosene Jacaré e das enxadas Duas Caras.

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Aos sábados, os cablocos entravam na cidade para as compras da semana. Os que eram mais disciplinados compravam e iam embora, de volta para as suas famílias. Outros ficavam encostados nos balcões de bares, matando a tristeza na pinga Tatuzinho e terminando o dia jogados pelas calçadas, na cadeia ou na zona, onde torravam a paga das empreitadas da semana em uma noite. Era um mundo maravilhoso, meio ingênuo, meio safado.


O Brasil estava começando a deixar de ser rural, Mazzaroppi e depois Luiz Gonzaga, últimos representantes desta época iriam nos deixar em breve. Era um vaivém de pessoas o dia inteiro, a economia cafeeira rendia bons dólares e os mais abonados circulavam em Cadillacs rabo-de-peixe e tinham apartamentos em Santos ou Copacabana. Era a maneira local de se mostrar "chic", para usar uma palavra da época.

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As brincadeiras dos moleques eram subir em mangueiras, correr nos pastos ou tomar banho de rio. Mas este mundo risonho e franco e ativo iria começar a desabar logo. Uma geada fatal e devastadora golpeou os cafezais do Norte do Paraná. Na madrugada de 4 de julho de 1954, muita gente foi dormir rica e acordou pobre; estava começando um enorme êxodo rural. Milhares de famílias iguais à nossa foram procurar centros maiores, quem não foi para São Paulo veio para Curitiba.


Meu pai optou vir para cá, onde moravam seus familiares. Demorei a perceber o choque cultural pelo qual iria passar. De moleque ou garoto passei a ser chamado de piá, e pelos meus primos que ficaram no norte, de "coxa-branca." Aqui se brincava de tique, andava-se com setra em vez de estilingue e se pinava raia em vez de papagaios. Até hoje não sei como se monta uma raia bidê. Na minha rua os novos vizinhos falavam alemão, polonês ou italiano. Os cachorros da casa ao lado, quando ordenados em português olhavam para nós, viravam as costas em total desobediência. Não entendiam ou fingiam não entender a língua oficial do País, pois não saíam do lugar. Até aprender que para se mandar cachorro embora em Curitiba era preciso dizer em alto e bom som a palavra alemã Haus, eu demorei.


Curitiba tinha na época pouco mais de 300 mil habitantes e nos meus olhos de criança parecia vazia, andava-se pelas ruas sem se encontrar ninguém. Hoje, passados muitos anos, depois de levas e levas de novos imigrantes e de todos os lugares, percebo o quanto o sangue curitibano se modificou. Engrossando com os que vieram do norte e de outras regiões do País, pois as correntes migratórias em direção à nossa cidade nunca pararam e até se intensificaram nos últimos tempos.

É por isso que a gente vê cada vez mais moleques e menos piás nas nossas ruas e escolas. E a cada passar de ano nossas velhas pereiras e caquizeiros vão sendo substituídos por jabuticabeiras e abacateiros, que pela cumplicidade da mudança do clima já florescem e dão frutos. É claro que você pode também dizer que eu veio de outra região - de Santa Catarina, do interior de São Paulo, do Nordeste, e que vê as coisas de um modo um pouco diferente. A percepção é válida para todos nós, para cada um dos que fazem a Curitiba de hoje. O que a gente tem que fazer é amar esta cidade cada vez mais, pois só amando Curitiba vamos saber defendê-la e mantê-la como uma das melhores cidades do nosso tempo para se viver.


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