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Samambaias-de-metro, poodol-toys e pequineses

03 set 2003 às 15:12
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Populares nas décadas de 70 e 80 as samambaias-de-metro simbolizaram, de alguma forma, a ascensão da classe média desta época. Tempos em que, ingênuos, quase todos oriundos do ambiente rural, acreditávamos no Brasil Grande e no Milagre Econômico.

Casa recém-construída ou apartamento novo, comprado pelo sistema do extinto BNH, tinha que ter as suas samambaias-de-metro como elementos decorativos e simbólicos.

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Cultuadas como um ícone precoce de uma fase ecológica que ainda estava pôr vir, as longas folhas eram veneradas e colocadas em lugares de destaque nas residências dos novos casais. Eu e mais alguns milhões de compatriotas fizemos isso.

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Os locais preferidos para as nossas samambaias-totem eram perto do aparelho de TV ou no canto das salas para que todo mundo as visse. E, nas casas de quem morava em bairro, nas varandas, nas entradas das garagens ou no jardim de inverno, esse, geralmente improvisado num puxadinho coberto com telha Eternit transparente. Presentes também em salões de beleza, algumas lojas e até em postos de gasolina.

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Nas festas de aniversário, encontros de família, visitas, os temas das conversas fluíam inexoravelmente para: filhos, empregadas, "a viagem que eu fiz à praia ou à Argentina", "o carro que o Júnior tirou no consórcio" e o sempre presente assunto das samambaias-de-metro. Era fatal, nestes encontros ritualísticos, aparecer alguém que conhecia um pózinho secreto para fazê-las crescer mais ou a confidência de uma tia que conseguira uma espécime novo vinda de Mato Grosso. A classe média, risonha e franca, disputava status pela metragem das suas samambaias. Algumas folhas chegavam a medir mais de três metros, indo do vaso ao chão.


Havia receitas infalíveis como: colocar nos vasos de xaxim - que quase chegaram à extinção por terem a má sorte de servir de suporte às samambaias - borra de café, erva de chimarão, casca de ovos, de batatas ou ainda banhá-las com um pano embebido no leite. Algumas colecionadoras mandavam buscar em fornecedores, que eram mantidos em segredo, as espécies chamadas "samambaias-chifre-de-veado" e estas eram, orgulhosamente, colocadas em paredes como troféus de caça. Quando a família recebia visita, o primeiro ritual demonstrado para prestigiar a dona da casa, consistia em olhar a espécime rara e exclamar: - " Oh! Oh! que coisa mais linda." É claro, a exclamação vinha sempre acompanhada de uma pitadinha escondida de inveja. Algumas mulheres podiam perder seus maridos, mas jamais as suas samambaias-de-metro. Assim são os seres humanos.
Aos poucos, as samambaias, talvez pelo trabalho e sujeira que provocavam, começaram a sumir das casas. Foi um lento e gradual desaparecimento. Uma autêntica agonia de uma espécie em extinção. O sumiço das baleias em nossos oceanos não é nada comparável ao desaparecimento das samambaias-de-metro. Acredito também que quem deu o tiro de misericórdia e provocou a extinção final das mesmas foram os construtores de apartamentos. Acuso-os por terem diminuído as plantas ( dos apartamentos, é claro), e, em conseqüência os casais tiveram que optar entre ter mais um filho ou possuir uma samambaia-de-metro. Não haveria espaço para mais dois seres vivos de grande porte na moradia.

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E, enquanto as samambaias de metro rumavam para o seu lento e gradual desaparecimento, outro fenômeno começou a ser percebido dentro dos lares brasileiros. Foi o surgimento de uma espécie canina chamada poodle- toy - um cachorrinho peludo, nas cores branca ou preta, chato e irritadiço. Todos os dias vejo-os, da minha janela no Champagnat, passeando com os seus donos-escravos pelas ruas. De tanto observar cheguei à conclusão de que devem existir mais poodle-toys do que seres humanos nesta região e que em breve os edifícios terão que eleger poudles para representar os interesses da raça, nas reuniões de condôminos. Alguns vão até aspirar ao cargo de síndicos. - "Algum problema na sua garagem, meu senhor? Procure o Lulu do 1003." Dúvida da importância dos poudles, então conte quantos pet-shops ( nunca diga loja para cachorros) você vê no caminho entre a sua casa e o trabalho. E olha que eu nem estou pedindo para você entrar e ver o que elas vendem. Você morreria de inveja.


Aliás, este assunto de cachorro de apartamento, me faz lembrar outro fenômeno, muito parecido ao dos poudles e tão popular quanto as samambaias-de-metro, entre as madames e viúvas das décadas de 50 e 60: o cachorro Pequinês. Para quem não se lembra ou nunca viu um exemplar, descrevo: eram cachorrinhos peludos, de cara amassada, pequenos, baixinhos, fedidos, de olhos saltados, latiam feio e possuíam comportamento entre o nervoso e a histeria total. Tinham lugar preferido nas salas, no sofá, em frente à televisão e, acredito, terem assistido a todos os filmes dos seriados Papai Sabe Tudo, Viagem ao Fundo do Mar e Perdidos no Espaço - além, é claro, de serem fãs do Programa da Linda e do Almoço com as Estrelas. Dizem por aí, e concordo, que os pequineses tenham sido os primeiros cães a moldar as suas fisionomias segundo as das suas donas após um certo tempo de convívio. Como as samambaias, esta raça também entrou em extinção, restando poucos espécimes em estado puro. Deixados à própria sorte misturaram-se com outras raças e se tornaram vira-latas. Como a Prefeitura é eficiente em tirar cães vadios das ruas e os não-reclamados são sacrificados, acredito que tenha havido um genocídio de pequineses e nem ficamos sabendo. Que tal algum acadêmico ou estudante, à procura de uma tese, se candidatar a investigar o assunto: "A extinção das samambaias-de-metro, dos pequineses e a ascensão dos poodle-toys na vida dos curitibanos" - dá trabalho para todas as áreas- da Botânica à Economia, da Veterinária à Psicologia, da Antropologia à Arquitetura.

Alguém se habilita?


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