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A Arte de desarrumar as coisas

02 set 2003 às 10:59
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Olho para os lados e vejo fotos, quadros, pinturas, bonecas, estátuas de buda, de galos portugueses, peixes em cerâmicas, gaiolas etc. Tudo espalhado, pendurado pelas paredes ou em cima dos móveis na mais arrumada desarrumação. Percebo que há uma certa ordem neste caos, uma harmonia nesta bagunça criada através dos tempos por seu proprietário. E isto me dá um prazer estético, gosto do lugar, me sinto bem, me é familiar.

O Joca é um personagem quixotesco, alto, magro, com um cavanhaque ao estilo. Simpático por natureza, já está sendo citado por professores de administração como "aquele que sabe fazer o bom marketing de relacionamento". E, tal qual o Homem de La Mancha, é um resistente na sua eterna busca. Um catador de histórias. Vê uma placa jogada num ferro velho, dá o seu devido valor sentimental e carrega para o seu restaurante. Junto traz uma boa história. Você não pode saber da história, pois ela pode ter-se perdido, mas está ali, latente no objeto catado. E que melhor lugar para se catar coisas do que no fundo de uma baía - lugar onde o mar encosta o cisco. Pois, o restaurante do Joca fica no fundo do fundo da baía de Antonina, para onde os objetos são empurrados pelas marés depois de descartados.

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É preciso saber muito para desarrumar as coisas com perfeição. Só a um mestre é permitido o dedo da desarrumação perfeita. Não tente você, se não souber como, desarrumar algo. Guimarães Rosa desarrumava o idioma. Picasso, antes de desarrumar a arte e fazer a sua revolução, foi um acadêmico comportado. O bom e velho Niemeyer continua ainda, com seus traços firmes, vigorosos e elegantes, a desarrumar a arquitetura. Grandes estilistas desarrumam a moda de tempos em tempos. É preciso primeiro dominar a técnica para depois conquistar a arte. É preciso saber fazer super bem para depois desarrumar.

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Voltando ao Joca, que distância entre o ambiente da sua Caçarola com os bares arrumadinhos e esteticamente ascéticos da moçada de hoje! Nada contra a nova arquitetura de interiores, com seus frisos de aço, néon, banquetas desconfortáveis, cenários e adereços comprados nas lojas especializadas. Seus cardápios artisticamente impecáveis na arte gráfica e falsos no sabor e na qualidade. Com seus visuais perfeitos e limpos, mas com serviços beirando o desleixo e o descaso. Investe-se muito na estética e pouco no treinamento de pessoal.

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Dizem que se perdem clientes na ordem de 68% por mal atendimento. Muitos restaurantes e donos de bares na moda pecam feio no detalhe mais simples, o sagrado ato de servir. Talvez eu esteja ficando velho, mas não me entusiasmo pelo estilo yupiie ou mauricinho, prefiro a estética da simplicidade. A escola de arquitetura alemã dos anos vinte e o zen nos ensinam que menos é mais.


Já vi bares e restaurantes como o do Joca em outros lugares. Todos têm a mesma medida: sabem ser populares sem serem popularescos, caminham pelo ingênuo, pelo naif sem serem kitsch.

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Lá, tem até um passarinho de verdade, acho que uma cambucica, que voa por entre as mesas com a maior desenvoltura. Se ele soubesse falar, como nos contos mágicos, estaria dizendo para os clientes:


- Venham sempre aqui! O Joca é um bom sujeito, a comida é boa, o pessoal atende bem e a gente sabe contar histórias, estão todas nas paredes da casa.

É só o que Antonina, a cidade que abriga o Joca e seu restaurante há mais de 30 anos, precisa fazer para atrair turistas, saber contar suas centenas de histórias. Elas estão todas guardadas nos seus casarões coloniais, nas suas esquinas e nos ciscos trazidos para o fundo da sua baía maravilhosa.


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