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Situação Critica

04 mar 2005 às 11:00
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No princípio era a fome, depois veio a gula, a culinária francesa e com ela a crítica gastronômica. À grosso modo não é exagero dizer que a gastronomia, da forma como a conhecemos, nasceu na França do século 19. Embora a história seja rica em episódios culinários que remontam a tempos mais longínquos.
O exemplo mais clássico desta antiga e incestuosa relação do homem com a comida, talvez seja o da própria criação da humanidade. Pois, segundo dizem por aí, a humanidade só começou porque Adão resolveu dar uma "comidinha" numa especialidade da região do Éden, a maravilhosa "fruit proibité août souce percant sous serpent poison", dando assim origem ao pecado original. Aliás, o que é uma injustiça com a gula, considerada apenas o quinto dos sete pecados capitais, mas que foi imprescindível para o nosso surgimento. Haja vista que se, no dia da afamada refeição, Adão estivesse de regime não estaríamos aqui agora.

Mas esse não é o único caso notável da presença da culinária na história humana. Os gregos, que inventaram quase tudo, também meteram a colher nesse caldo. Aliás, a própria palavra gastronomia vem do grego (gastér, estômago + nómos, regra). E foi (provavelmente) empregada pela primeira vez como título de um livro com dicas culinárias, escrito pelo poeta grego Archestrate, séculos antes de Cristo.

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Depois, os romanos. Eles viviam copiando os gregos e não demorou muito para que Apicius tivesse a brilhante idéia, porém não inédita, de publicar seus conhecimentos culinários. Contudo, seu esforço não foi de todo em vão, entre triviais receitinhas para a conservação de carnes, geléias e peixes, acabou legando para a humanidade a famosa técnica de engorda do ganso com figos, utilizada até hoje na preparação do foie gras, um dos pratos mais famosos da culinária francesa.

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Já na idade média foi a vez de Leonardo da Vinci, o próprio, dar seus pitacos na cozinha alheia. Relembrando os tempos em que havia sido cozinheiro de um nobre milanês, ainda antes de se tornar famoso, ele escreveu, sem códigos, Os cadernos de Cozinha de Leonardo da Vinci. No qual consta, além de algumas de suas primeiras invenções, o sanduíche e o guardanapo, normas de etiqueta a mesa. Tais como: não assoar o nariz ou ainda, como retirar um convidado assassinado durante a refeição sem incomodar aos demais.

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Contudo, é só com o advento de uma tradição culinária francesa, iniciada no final do século 18, que a gastronomia começaria a dar seus primeiros passos rumo ao estrelato. Isso se deve em grande parte ao surgimento do conceito de restaurante - acredita-se que o termo restaurante era o nome dado a um cozido tipicamente francês (servido para restaurar e revigorar) e que acabou, mais tarde, sendo empregado para identificar as casas que serviam tal prato. Embora essa versão não seja totalmente confiável, o que realmente importa no surgimento desses restaurantes é o fato de eles terem aberto um espaço público para alimentação fora das casas, o que até então não existia.


Isso foi uma verdadeira revolução na maneira das pessoas da época se alimentarem. Pois a medida que os restaurantes iam se desenvolvendo, iam também variando o cardápio, democratizando assim o acesso a comida. Somado a isso, outra revolução foi fundamental para o desenvolvimento da gastronomia: a revolução francesa acabou com a realeza na França, deixando na rua da amargura grandes cozinheiros que serviam a corte. Esses verdadeiros profissionais da arte culinária acabaram, por necessidade, abrindo seus próprios restaurantes ou indo trabalhar nos já existentes, melhorando consideravelmente a qualidade do que era servido.

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De lá pra cá a culinária se desenvolveu muito, os cozinheiros viraram chefs, os pratos se sofisticaram e os restaurantes se tornaram um lucrativo negócio. Mais do que isso, na Paris do século 19, os restaurantes eram importantes espaços públicos que atraiam freqüentadores ilustres e formadores de opinião. E foi um desses freqüentadores que acabou inventando a crítica gastronômica. Em 1803, o escritor Alexander Grimod de la Reyniêre escreve o Almanaque dos Comilões, uma espécie de guia gastronômico, dando origem a um estilo literário que ao longo da história seria responsável por suspiros de prazer, lágrimas de desconsolo e até suicídios.


Assim como a gastronomia, a crítica gastronômica evoluiu, conquistando leitores, status e importância cada vez maiores. A medida que os restaurantes se multiplicaram e atraíram mais e mais admiradores, também aumentou o apetite das pessoas pelos guias e publicações do gênero. Dentre elas as mais celebres são o GaultMillau, que classifica os restaurantes por pontos, até 20. E o Guia Michelin que distribuí estrelas aos avaliados. São no máximo 3 estrelas mas que podem fazer a diferença entre o céu e o inferno para um chef.

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Assim como em outros segmentos onde há critica (literatura, cinema, música, tec), a relação entre críticos gastronômicos e criticados sempre foi meio azeda. A polêmica começou com o próprio Reyniêre, acusado de estar querendo comer de graça as custas do seu guia. E continua até hoje; recentemente o suicídio de Bernard Loiseau, um dos maiores chefs franceses, suscitou uma grande discussão a respeito do papel e dos critérios da crítica gastronômica.


Loiseau além de grande chef era também um grande empresário do setor gastronômico. E no auge de sua carreira chegou a um amargo dilema, ou arriscava ir a falência por contrariar as tendências globalizantes do mundo capitalista, ou expandia seus negócios e via ameaçadas suas estrelas e pontos. Lousiau acabou se matando, pouco depois de um dos seus restaurantes perder 2 pontos no GaultMillau, caindo assim para 18. Embora seja um certo exagero atribuir sua morte à perda dos pontos, ela motivou outros grandes nomes da culinária internacional a questionar o excessivo poder da crítica especializada.

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Com a faca e o queijo nas mãos, a crítica gastronômica promoveu nos últimos anos uma verdadeira ditadura da alta cozinha. Determinando, por critérios nem sempre claros, o que era "bom" ou "ruim", os críticos gastronômicos passaram a moldar os padrões da gastronomia. Invertendo o papel da crítica, que é de analisar e avaliar a livre criação dos artistas (no caso cozinheiros), verdadeiros donos do espetáculo.


A grande questão disso tudo, é que tanto a crítica foi e é importante para a gastronomia, quanto o contrário. Visto que uma não existe sem a outra, toda espécie de tirania de alguma das partes acaba sendo prejudicial para relação. Assim como numa receita, todos os ingredientes devem estar nas proporções exatas.

Contudo são, justamente, as pitadas de ousadia de um grande chef que fazem a diferença entre um bom prato e um prato magnífico. Por isso a polêmica, esse poderoso condimento, deve continuar apimentando os paladares e textos, e o derramamento de molho de tomate ainda está longe de terminar.


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