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Dois Irmãos - Milton Hatoum

20 jun 2006 às 11:00
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Nesse espaço abandonado, retomo os palpites sobre literatura. Vai um tempão entre cá e lá atrás (uns 9 meses). Um cavernoso hiato, pode-se dizer. Vamos ver se me disciplino e mantenho as janelas abertas por aqui.

Até o nome da coluna mudou. Do pomposo 'Literatura' pro honesto 'Impressões de Leitura'. Mas dessa coluna ou de-mim vocês não têm interesse, não é? Interessa o que nela se trata. Ao texto:

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Tem uma temática das boas na literatura. Sabe aquilo que rende uma boa história, daí um tempo depois alguém pega a mesma idéia, e faz de novo? E depois, outro e de novo? E outroutra vez?

Leia mais:

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Fazem tanto até virar uma "temática".

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Tem o lance, por exemplo, do escritor em crise com seu texto. Não, melhor: do artista com sua criação artística: produções de Angeli a James Joyce. Tem aquela outra do cara em viagem – de Dante a Kerouac. E tem a história do igual, do sósia, do parecido, do símile e do igual.


Nessa, paramos um pouco.

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Esse é um tema usado de diversas maneiras na história da literatura. Por exemplo, uma concepção do símile em O Anfitrião (comédia latina, de Plauto), outra em Clube da Luta (sim, do filme. Não, o livro veio antes). Neste, a questão da fragmentação e divisão do eu; naquele, a confusão da identidade típica de Chaves e Trapalhões, e a autoridade que esse ‘se parecer com’ dá.


Existe ainda a temática dos irmãos, como se fosse uma temática aparentada dessa dos sósias. Manja Caim e Abel?

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É uma das mais antigas histórias de pega pra matar entre irmãos, se não for ‘a’ mais. A Bíblia ainda rende outra história de conflito fraterno: Esaú e Jacó.


Porém, existe um ponto de encontro entre essas duas temáticas: os irmãos gêmeos. Daí rende, por exemplo, Rômulo e Remo na fundação de Roma, Castor e Pólux na mitologia grega, Pedro e Paulo, personagens de Machado de Assis. Até pela tradição católica temos essas figuras: São Cosme e São Damião.

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E rendeu, também, o Dois Irmãos, de Milton Hatoum.


Livro relançado pela Companhia das Letras, como parte da coleção Companhia de Bolso, com livros muito legais com preços mais baixos. Este sai por menos de 18 pilas.

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O triste é eu ter que comentar que isso é preço baixo e comemorar por gastar apenas 18 pratas (mais ou menos 5% de um salário mínimo) na compra do dito.


Mas isso é outro papo (na verdade, o mesmo de sempre).

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Vale a edição bem ajeitadinha, com um bom papel. Aquele trabalho caprichado já conhecido da editora e o preço convidativo. E o belíssimo trabalho do autor de Dois Irmãos:


O enredo do romance trata, basicamente, do (não) relacionamento entre os gêmeos Omar e Yaqub.


Omar é o beberrão boêmio, mimado, conquistador e revolucionário. Yaqub é o engenheiro que construiu sua vida independentemente de ajuda, magoado com a família, tímido, conservador e que se muda de Manaus (cenário da história) para São Paulo.


Essa diferença de personalidade faz parte do pacote ‘história de irmãos gêmeos’. Assim como a constante competição entre eles.


Mas não pense que o trabalho de Hatoum é o de repetir histórias já contadas. Parte de uma temática universal, difundida e produtiva, que serve de ignição para sua máquina de narrar.


Inclusive, o narrador do texto merece uma atenção especial. Mas saiba que no próximo parágrafo darei algumas informações que pode ser de seu interesse descobrir sozinho. Vai ou pula?


Se veio: posso dizer que o ponto de onde é feita a narração é uma posição bastante privilegiada e natural para o desenvolvimento da história. O narrador é um personagem, coisa que não sabemos de imediato, mas no desenvolvimento do livro. Mais: o narrador é, na verdade, o filho bastardo de um dos gêmeos com a empregada que mora no fundo da casa dos pais deles. Essa posição próxima, porém não íntima, e o interesse do narrador em descobrir quem é seu pai, o torna o narrador ideal para este romance.


Se pulou: entre esse duelo fraternal, Hatoum ainda constrói a dificuldade de um homem apaixonado pela esposa, que perde a atenção dela para os filhos; um filho bastardo que tenta descobrir qual dos gêmeos é seu pai; a história do imigrante de origem árabe no Brasil e a expansão comercial da região norte; e o retrato de uma sociedade pequeno burguesa, que se mostra tão previsível no norte do Brasil, quanto na França, dos escritores de grande influência para o autor manauara, Flaubert e Balzac (juntamente ao norte-americano William Faulkner).


Esses temas vão se dissolvendo com o passar do tempo da história. Mas não perdendo em importância ou se resolvendo e sim, se entranhando cada vez mais à narrativa.


Uma tensão leve é a convidada cativa do texto de Hatoum, que se faz presente em todo o livro. As páginas a serem lidas vão rareando nas mãos e as soluções são, no máximo, indicadas.


Aliando essa tensão à fluência textual (no melhor estilo de seus autores de influência), Hatoum nos conta uma história isenta de lições moralizantes ou advertências.


O que nos toma ao final da leitura é um sentimento de incompletude e incerteza. Espaços em aberto. Muitas perguntas, muitas possibilidades, poucas certezas.


Esse espaço de incerteza é que fascina no momento da leitura e não frustra ao deixar perguntas. É a máquina narrativa de Hatoum, funcionando direitinho.

Leituras relacionadas: Cinzas do Norte (Milton Hatoum), Esaú e Jacó (Machado de Assis), Lavoura Arcaica (Raduan Nassar), Três Contos (Gustave Flaubert) e William Wilson (Edgar Allan Poe).


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