Quando Charles Michael Kitridge Thompson IV bater as botas, as melhores enciclopédias do pop só vão se referir a ele com o pseudônimo Black Francis. Desde 1993, quando acabou com os Pixies e iniciou uma carreira solo com o nome Frank Black, o moço vem se esforçando disco a disco para borrar a tinta de seu certificado de gênio. Mas não vem conseguindo êxito – Black precisou de apenas três álbuns, os fundamentais "Come On Pilgrim" (1987), "Surfer Rosa" (88) e "Doolittle" (89), para mudar o rock para sempre. Será lembrado para sempre por isso, por mais que solte discos-solo constrangedores.
Com os recém-lançados "Black Letter Days" e "Devil’s Workshop" (Sum Records), que foram editados no mesmo dia, Black já acumula oito trabalhos fora dos Pixies. São cinco álbuns dando crédito à banda de apoio The Catholics, boa formação de garagem que apenas acompanha os devaneios do barrigudo cantor e vocalista. Os dois discos vão do muito ruim ao levemente entusiasmante, o que é imperdoável para quem influenciou meio mundo (de Pavement a Linkin Park) e mereceu reverência até de David Bowie (que gravou "Cactus", dos Pixies).
Se a sua saudade dos Pixies é tamanha que você se satisfaz com qualquer coisa que lembre o lendário quarteto de Boston, compre "Devil’s Workshop". "Black Letter Days", com 18 músicas intermináveis de tendências country, é disparado o pior disco que Black já gravou. Até começa bem, com "The Black Rider #1", que traz alguns guinchos à Pixies, mas a citação ao tema dos Flintstones é triste.
O repertório cheio de baladas é intragável porque, além de pouco inspirado, é gemido por Black, cujo tom de voz está mais para um Mick Jagger de porre ("Cold Heart Of Stone", "God Of Miles") do que para o pós-adolescente que berrava "tame!". A prova dos nove é "1826", de vocais arrastados e uma linha de guitarra que é repetida por quase sete minutos – fosse ainda a época do vinil, daria para achar que o disco está riscado.
Em comparação, "Devil’s Workshop" é muito melhor. Você até se emociona com as duas primeiras faixas, "Velvety" e "Out Of State": a primeira adiciona letra e vocais a um tema instrumental antiguíssimo dos Pixies, presente na coletânea "Complete B-Sides" (2001), e cujo riff os Hives roubaram para fazer "Hate To Say I Told You So". Ficou ótimo, mas como é coisa velha, Black não leva os pontos. A segunda é uma delícia com violões, melodia perfeita, uma guitarra que se esforça para emular Joey Santiago (guitarrista dos Pixies) e um refrão vibrante. Poderia ter entrado em "Bossanova" (dos Pixies, de 1990).
As outras nove músicas são um resumo de qualquer outro disco-solo de Black (excetuando "Black Letter Days", que é ruim por inteiro): nada insuportável aos ouvidos, com alguma coisinha que desperta a atenção, como os roquinhos "Bartholomew" e "Modern Age" (ótima). Mas, ao contrário dos discos dos Pixies, não há nada aqui que vá salvar sua vida.
Black segue fugindo da genial dinâmica que ele próprio criou, e que encheu os bolsos de gente como Kurt Cobain e os bozós do new metal – aquela estupenda mistura de alterações bruscas de andamento, em que o lamento mais melódico é sucedido por gritos psicopatas, onde melodias perfeitas são interrompidas por grunhidos doentios, tudo temperado por pitadas de hardcore, surf music e power pop. Black não soa mais perigoso. É apenas um compositor de rock como os outros.
Em meio à boataria interminável sobre uma possível volta dos Pixies (pouco provável, já que Kim Deal deixou claro em sua visita ao Brasil com as Breeders que a reunião nunca aconteceria), Black anuncia o lançamento de mais um disco, "Show Me Your Tears", que deve ser recheado de baladas sobre seu divórcio. Dá arrepio só de pensar: vale lembrar que Iggy Pop, o maior ídolo de Black, soltou o álbum mais pavoroso de sua carreira quando quis cantar sobre sua separação ("Avenue B", de 1999).
Que a cegueira de Charles não se torne tão grave a ponto dele não perceber que está cometendo os mesmos erros fatais de seus ídolos. Se conseguir isso já seria o suficiente, esperar então que Frank Black redescubra Black Francis parece um sonho totalmente fora de questão.