Se o culto ao Los Hermanos quase atinge as raias do fanatismo patológico, a banda carioca sabe bem como prolongar esse êxtase de adoração. Cada música gravada para trilha de filme é bem pensada, toda participação em disco de outros artistas é planejada meticulosamente, não se ouve declaração polêmica o suficiente para causar choque. Los Hermanos não tem fãs, tem seguidores. Uma platéia de fiéis tão devotados que a banda se deu ao luxo de recusar as grifes "MTV Ao Vivo" e Globo para lançar o DVD de um show.
"Los Hermanos no Cine Íris – 28 de Junho de 2004" (BMG), que acaba de chegar às lojas, transita naquela estranha intersecção entre ar blasé e cores passionais que caracteriza os discos do quarteto e que criou o mencionado culto: barbas mal cuidadas, arranhados desleixados na guitarra e camisas amassadas convivem com as pretensões "artísticas" do registro - em 16 mm -, que ficam nítidas nos ângulos inusitados, na importância dada a imagens da platéia, nas perdas de foco propositais, na iluminação simples e ao mesmo tempo metida a intensa (verifique a luz amarela sobre o rosto de Rodrigo Amarante ao fim de "Sentimental"). Planejamento e execução precisos, labuta extremada com o objetivo de fazer tudo parecer despojado.
É claro que fica ótimo: a mistura de rock, samba e MPB do Los Hermanos possui frescor e consistência capazes de provocar impacto mesmo após ter sido ouvida mil vezes. Como em todo show da banda, o coro apaixonado acompanha cada verso, e os destaques são muitos. Os metais de "O Vencedor" soam ainda mais belos ao vivo; "Todo Carnaval Tem Seu Fim", "A Flor", "Quem Sabe" e "Cara Estranho" preservam a faceta hardcore original do quarteto e ganham mais peso e sujeira; e as baladas de Amarante ("O Velho e o Moço", "Sentimental") ficam mais cortantes, como se isso fosse possível.
Quem foi a algum show do Los Hermanos nos últimos anos vai detectar truques corriqueiros. A paradinha em "O Vencedor", a exclusão solene da última parte de "Quem Sabe", a postura de palco debilóide de Amarante (aqui, aparentemente sem aditivos alcoólicos) – está tudo lá, em tons tão previsíveis que em certos momentos o DVD ganha odores burocráticos. Mas seria injustiça reclamar, o Los Hermanos tem o show ideal, nem melhor nem pior do que os CDs, ainda que com nuances distintas entre palco e estúdio. São poucas as bandas nacionais que conseguem isso.
O extra "Além do Que se Vê", documentário de cerca de uma hora que mostra os ensaios, gravações e turnê do álbum "Ventura" (2003), é de interesse restrito aos fiéis. Há momentos preciosos, como a cena em que Marcelo Camelo trabalha a primeira versão da letra de "Cara Estranho" e uma interpretação na íntegra da maravilhosa "Santa Chuva" (a Warner pode pagar quanto jabá quiser, Maria Rita nunca vai ser capaz de igualar tal magia), mas o restante é um tanto tedioso. Nada que comprometa. Mas este quarto álbum já está demorando, ou não?
LANÇAMENTOS
Ludov – "O Exercício das Pequenas Coisas" (Deckdisc)
Promessas não cumpridas doem demais. O quinteto paulistano Ludov nasceu de uma pequena grande banda que cantava em inglês, o Maybees, e estreou com um EP brilhante, "Dois A Rodar", lançado de forma independente há dois anos. O clipe de "Princesa" caiu nas graças da MTV e a expectativa era de que o grupo confirmasse boas intenções com um álbum cheio. Não deu. "O Exercício das Pequenas Coisas" engasga com timbres safados de teclado, melodias sem sal e letras bobas, existencialismo e paixonite de quinta categoria. No geral, é insosso, mas castiga quando decide ser constrangedor – "Dorme Em Paz" parece coisa da Rosana ("fala a verdade/ diz que é mentira/ que você vive sofrendo/ que você anda morrendo por amor"). Salvam-se "Estrelas", "Tudo Bem, Tudo Bom" e "É Só Saudade", e ninguém mais.
Para quem gosta de: Pato Fu fase "Televisão de Cachorro", Penélope, Kid Abelha.
Idlewild – "Warnings/Promises" (Parlophone – importado)
O quarteto escocês Idlewild dá aquela eterna impressão de que ainda vai acertar em cheio – não consegue gravar álbuns bons de ponta a ponta, mas ao mesmo tempo não é apenas mais uma bandinha indie. Depois de um decepcionante terceiro disco, eles retornam com "Warnings/Promises", que desfaz boa parte das más impressões deixadas pelo anterior. A banda continua soando como um Smiths com guitarras distorcidas, ou um R.E.M. repaginado – em "Blame It On The Obvious Ways", todos os maneirismos de Michael Stipe são copiosamente imitados. Não se trata de obra-prima, mas está acima da média e o álbum traz pelo menos duas canções imortais: "Love Steals Us From Loneliness" e "Too Long Awake". Já vale o ingresso.
Para quem gosta de: R.E.M. dos anos 80, Morrissey, Interpol.