Excesso de maluquice pode ser a benção ou a cruz de uma banda de rock. O vocalista mexicano Cedric Bixler-Zavala e o guitarrista porto-riquenho Omar Rodriguez-Lopes experimentaram as benesses e o ônus da doideira – a princípio, a esquisitice da dupla proporcionou um diferencial à primeira banda que os dois formaram, o At The Drive-In, que conseguiu se destacar da manada hardcore entre o final dos anos 90 e o início desta década. Depois, os níveis de insanidade dos dois músicos só cresceram, e hoje se manifestam de forma plena num novo projeto, Mars Volta, que possui tanto de inusitado quanto de intragável.
Passado e presente de Bixler e Rodriguez se enfrentam agora nas prateleiras – no final do ano passado, a V2 relançou no Reino Unido a discografia praticamente completa do At The Drive-In: os álbuns "Acrobatic Tenement" (de 1996), "In/Casino/Out" (98) e "Relationship Of Command" (2000), e o EP "Vaya" (99). Já o novo disco do Mars Volta, "Frances The Mute" (Universal – importado), acaba de chegar às lojas gringas.
Este último segue a linha de "De-Loused In The Comatorium" (2003), álbum de estréia da nova banda de Bixler e Rodriguez: tem conceitinho (as canções seriam baseadas num diário de Jeremy Ward, integrante do Mars Volta que morreu de overdose há dois anos), composições intermináveis, longas passagens instrumentais, barulhos com intenções climáticas. No fim das contas, são cinco faixas em quase 80 minutos. Lembre-se da lição que o rock progressivo deixou: música com mais de oito minutos e canção dividida em várias partes (as chamadas suítes) não prestam.
O momento mais acessível é "The Widow", maçaroca metida a épica que lembra algum baladão do Guns’N Roses. Os vocais de Bixler, insuportavelmente agudos e histéricos, remetem à turma do metal melódico. O Mars Volta deixa perceptíveis diversas influências, como Santana e Pink Floyd, além das que acompanham Bixler e Rodriguez desde a época do At The Drive-In (Fugazi, Dead Kennedys), e o resultado é uma mistureba de pretensão, melodias nada memoráveis, letras incompreensíveis, solos de guitarra pirotécnicos e tédio. Maluquice às vezes pode ser desculpa para quem não conseguiu compor nada que preste.
Quando era mais modesta, a dupla liderava uma competente banda de hardcore. A estréia do At The Drive-In, "Acrobatic Tenement", é um album comprometido pela péssima produção, com jeito de fita demo, e pela afetação de Bixler, com a voz bem acima de guitarras, baixo e bateria. Mesmo assim, o disco contém momentos inspirados, como as desesperadas "Schaffino" e "Ticklish" e a apaixonada "Initiation" (com o singelo verso: "você fica linda quando está morta"), que indicavam o estrago que viria depois.
"In/Casino/Out" e "Vaya", com qualidade de gravação bastante superior, já apresentam quase no ponto ideal os fatores de consagração do At The Drive-In: hardcore com nervos à flor da pele, condizente com o rótulo infeliz que sempre assolou a banda – emo -, andamentos fraturados, flertes com a psicodelia e a fúria de Bixler, que aqui não exagera na técnica e deixa tudo mais divertido com berros psicóticos. Há até espaço para canções pop ("Pickpocket"), balada setentista ("Hourglass") e belezas escondidas, claro que não exatamente delicadas ("Lopsided", "Napoleon Solo").
Já estava bom, ficou melhor em "Relationship Of Command", que entra fácil em qualquer lista dos melhores discos de rock dos anos 00. A produção de Ross Robinson, conhecido pelo trabalho com os malas do novo metal (Limp Bizkit, Korn), injeta ainda mais peso na fórmula do At The Drive-In, que oferece as melhores músicas da sua curta carreira: as potentes "One Armed Scissor", "Cosmonaut" e "Sleepwalk Capsules" são tão furiosas quanto acessíveis, e as introspectivas "Invalid Litter Dept." e "Non-Zero Possibility" mostram as facetas sutis que podiam habitar tamanha pauleira. Era o disco que transformaria o At The Drive-In em sucesso mundial – entrou em todas as listas de melhores álbuns do ano 2000 -, mas a banda preferiu encerrar atividades antes, no início de 2001, e se dividir no Mars Volta e no decepcionante Sparta. A loucura sempre pede a conta.