Pesquisar

Canais

Serviços

Publicidade
Publicidade
Publicidade

Espírito retraído

05 ago 2005 às 11:00

Compartilhar notícia

Álbum traz sete músicas de Marcelo Camelo e cinco de Rodrigo Amarante - Reprodução
siga o Bonde no Google News!
Publicidade
Publicidade
Os caras do Los Hermanos são chatos. Em entrevistas, ficam com aquela eterna expressão de má vontade. Quando perguntados sobre influências em sua música, respondem coisas vazias como: "Somos influenciados por tudo, desde um filme até uma história contada pelo meu avô". E parece que recentemente adotaram o detestável hábito de gravar as próprias entrevistas – como que para se certificar de que o amigo jornalista não vai "distorcer" nada do que eles falaram.
Talvez os Hermanos ainda gravem um disco à altura de toda essa chatice. Esse dia ainda não chegou. "4" (Sony BMG), que chegou às lojas na semana passada, é mais uma afirmação de que não existe banda melhor neste país. Nem mais corajosa: guardadas as devidas proporções, o novo álbum representa em relação a "Ventura" (2003), o disco anterior, a mesma coisa que "Bloco do Eu Sozinho" (2001) foi para "Los Hermanos" (1999).
Trata-se de uma negação da unanimidade, uma traição das expectativas. Embora contivesse algumas canções introspectivas, "Ventura" ficou marcado pelas músicas mais agitadas e/ou solares, como "Cara Estranho", "O Vencedor", "Último Romance". "4", por sua vez, soa melancólico, solitário, solene. Os arranjos são enxutos, minimalistas; as melodias, tortuosas, do tipo que demoram para grudar na cabeça. Há poucos refrões, e quando eles comparecem, raramente demonstram vocação radiofônica. Pouca coisa para ser berrada em shows, como gostam de fazer os adolescentes que descobriram a banda ontem.
As composições de Marcelo Camelo traduzem mais claramente esse espírito retraído, com muitos vocais sussurrados e alusões à MPB ("Dois Barcos", "Sapato Novo", o samba "Fez-se Mar"), lamentações tímidas, desespero silencioso. A angústia do cantor fica mais exaltada apenas em três momentos: em "Horizonte Distante", rock com timbres épicos e o único refrão adesivo do álbum, nas guitarradas que espelham a dor da letra em "Pois É" e na explosão de barulho em "É de Lágrima", canção magistral que encerra o álbum. Nesse oceano de tensão mais ou menos contida, só há alívio na doce "Morena", singela declaração de amor: "prefiro assim com você, juntinho/ sem caber de imaginar/ até o fim raiar".
As músicas de Rodrigo Amarante são levemente mais expansivas e diminuem ainda mais a distância entre o padrão de qualidade das composições dele e o de Camelo. Excetuando-se o balanço para gringo ouvir de "Paquetá", o Ruivo acerta todas: recria a faceta mais sutil do Sonic Youth na excelente "Primeiro Andar", brinca de Portishead em "Os Pássaros", atenua o clima cinzento do restante do álbum com a empolgada "O Vento" e assinala que o Los Hermanos ainda tem uma faceta barulhenta na rasgada "Condicional", cujos últimos segundos lembram "Cara Estranho".
É difícil imaginar qualquer faixa de "4" virando hit, mas isso pouco importa. Fãs e imprensa vão tentar pateticamente comparar o novo álbum aos anteriores e não é esse o ponto – os Hermanos tentaram fazer diferente, abrir uma ilha em sua discografia, o que denota uma visão da própria carreira incomum dentro do pop brasileiro, onde a mesmice e a preocupação com as vendagens imperam. Se continuarem compondo canções tão emocionantes como sua vontade e capacidade de se reinventar, os barbudos podem ser chatos à vontade.
Publicidade

Últimas notícias

Publicidade
LONDRINA Previsão do Tempo