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O pop brasileiro ainda tem jeito?

17 jun 2005 às 11:00

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Novo álbum do cantor faz parte da nova edição da revista Outracoisa - Reprodução
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Lobão e Pato Fu sobram. Eles e o Los Hermanos são os únicos artistas da primeira divisão (em termos de popularidade) do rock brasileiro atual que fazem música pop inteligente, instigante, desafiadora – sem perder o apelo popular. Num cenário em que Pitty é rainha, picaretas como Cazuza e Renato Russo ainda são lembrados como "gênios" e o Barão Vermelho se sente à vontade para cobrar 90 reais de entrada para um show no Teatro Guaíra, em Curitiba, os discos "Toda Cura Para Todo Mal" (Rotomusic/Sony/BMG) e "Canções Dentro da Noite Escura" (Universo Paralelo), respectivamente os novos álbuns da banda mineira e de Lobão, são artigos de primeira necessidade.

Curiosamente, são trabalhos de origens parecidas: ambos quebram um longo jejum de discos de estúdio (o último do Pato Fu foi "Ruído Rosa", de 2001; o de Lobão, "A Vida É Doce", de 1999) e foram concebidos longe do ambiente das majors. O Pato Fu gravou tudo por contra própria e assinou um contrato de distribuição com a Sony/BMG depois que o álbum ficou pronto. Já Lobão, como se sabe, está rompido desde o final dos anos 90 com as grandes gravadoras – "A Vida É Doce", disponível a princípio apenas em bancas de jornal, teve vendagem surpreendente e fez com que o cantor abraçasse com gosto o discurso em defesa dos alternativos.

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Há dois anos, ele lançou a revista Outracoisa, voltada para a música independente e que a cada edição traz o novo disco de algum artista sem contrato com major. Depois de apresentar trabalhos de gente tão variada como B Negão, Cachorro Grande e Mombojó, a publicação chega agora às bancas com "Canções Dentro da Noite Escura", álbum do patrão.

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O disco segue a linha dos trabalhos de estúdio anteriores, "A Vida É Doce" e "Noite" (1998), que formam com "Nostalgia da Modernidade" (96) a trilogia "MPB" do cantor (na verdade, os três discos estão distantes da sonoridade da MPB tradicional: Lobão apenas disse em entrevistas que praticava o estilo porque pretendia demonstrar que sua música era tão importante quanto a de João Gilberto, Caetano Veloso e de outras vacas sagradas): efeitos eletrônicos, flertes com o trip hop, guitarras psicodélicas e melodias entre a agressividade e a melancolia, por vezes atropeladas pela verborragia do cantor.

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A única diferença talvez seja o peso que é conferido a algumas canções: "O Homem-Bomba" é quase metaleira; "A Balada do Inimigo" é igualmente barulhenta nos versos, mas desacelera no refrão, um dos mais grudentos do disco. Na temática, não há novidades – Lobão segue com as mesmas reflexões sobre a mistura de aconchego e hostilidade da madrugada nas grandes cidades, as declarações de amor desesperadas de sempre, os conhecidos retratos do falso glamour e da decadência inevitável...


As duas canções com letra de Júlio Barroso, líder da Gang 90, falecido na década de 80, são ótimas: a balada "Quente" é decorada com violão folk e violoncelo; em "Não Quero o Seu Perdão", a belíssima letra ("eu ouço o som de uma nota só/ despedaçado entre a tempestade, a vontade e os sonhos/ nos subúrbios da alma") é mais declamada do que cantada, e ganha ainda mais charme com andamento moderado e guitarras de timbres à Radiohead.

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Algumas das músicas que Lobão assina sozinho são igualmente brilhantes: "Pra Sempre Essa Noite" junta bossa nova e space rock, "Vamos Para o Espaço!" reafirma o entusiasmo do cantor pelo trip hop e "Você e a Noite Escura" e "Tranqüilo" lembram os discos lançados pelo artista nos anos 80.


"Canções Dentro da Noite Escura" só não cai bem quando Lobão tenta homenagear gente que não merece: não há melodia que salve os ridículos versos de "Seda", letra inédita de Cazuza, e a intensidade forçada de "Boa Noite Cinderela" é digna da afetação de Cássia Eller, a quem a canção é dedicada. Parece que nem mesmo os artistas com palavrório na ponta da língua resistem à tentação de fazer média.

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"Toda Cura Para Todo Mal" também não é um disco perfeito – o Pato Fu (que incorporou o tecladista Lulu Camargo à formação) chateia quando insiste nas piadinhas sem graça à Mutantes ("Uh Uh Uh, La La La, Ié Ié!" é música dançante sem sal e com letra boba; a caipira "Simplicidade" é uma brincadeira desnecessária), que a essa altura do campeonato já deveriam ter sido exorcizadas. No todo, entretanto, o novo álbum é tão bom quanto "Isopor" (1999), o grande disco da carreira da banda e um dos melhores da história do pop/rock nacional.


"No Aeroporto", com batida e melodia que denotam influências nítidas dos Beatles, e a doce "Boa Noite Brasil" – que conta com o sotaque delicioso da cantora portuguesa Manuela Azevedo – são exemplos de como é possível casar bom humor com pop de qualidade. "Anormal", a delicada "Sorte e Azar" e a triste "Vida Diet" são as mais evidentemente capazes de injetar inteligência na programação das FMs; a fossa de "Agridoce" parece uma canção da melhor fase de Roberto Carlos (trecho da letra: "saio sem segredo/ você nem vai notar/ e assim sem despedida/ saio de sua vida/ tão espetacular"); "O Que É Isso?" e "!", cheias de efeitos, seguram o lado "experimental" do disco, sem esnobismo ou gorduras.

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O que chama a atenção em "Toda Cura Para Todo Mal" é que se trata do disco "mais" Pato Fu de todos os tempos: as costumeiras versões foram limadas e todas as canções são assinadas pelo guitarrista John (uma delas em parceria com o baixista Ricardo Koctus). A julgar por tanta inspiração e pelas interpretações iluminadas da vocalista Fernanda Takai, o nascimento da primeira filha do casal, Nina, fez muito bem a uma das melhores bandas do Brasil.


LANÇAMENTOS


Terminal Guadalupe – "Vc Vai Perder o Chão" (independente)

Diante das incertezas e das dificuldades inerentes ao mercado alheio às grandes gravadoras, as bandas iniciantes têm que procurar alternativas para mostrar seu trabalho. O grupo curitibano Terminal Guadalupe dá sua cartada com "Vc Vai Perder o Chão", seu terceiro álbum, que está sendo lançado em formato SMD (sigla para Semi-Metalic Disc). A nova tecnologia está sendo divulgada pelo cantor sertanejo Ralf: a mídia é compatível com qualquer aparelho de CD, mas seus custos de fabricação são 80% menores. Contendo uma revista-pôster que traz fotos da banda e letras das músicas, "Vc Vai Perder o Chão" está sendo vendido a R$ 5,00 – preço inferior até mesmo à média dos discos independentes. O álbum recupera duas canções dos discos anteriores ("Burocracia Romântica" e "Lorena Foi Embora...") e apresenta nove novas composições. Uma das principais inspirações do repertório é a recriação de pós-punk feita por bandas brasileiras dos anos 80: Legião Urbana, Plebe Rude, Hojerizah. Cheio de baladas ("Tambores", "Veludo Sobre a Areia") e pop rock sem excesso de barulho ("O Bêbado de Ullysses", "Esquimó Por Acidente"), o álbum pesa em duas canções ("525 Linhas", "Bons Meninos Vão Para o Inferno") e oferece variações em cordas ("Por Trás do Fator Gallagher", vinheta com letra que desanca os indies) e metais ("O Peso do Mundo").
Mais informações: www.tg.mus.br.
Para quem gosta de: Rock brasileiro dos anos 80, British Sea Power.


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