Há 25 anos, era difícil se averiguar estatísticas sobre violência contra mulheres. Não pela baixa incidência do crime, mas pela falta de registros nas delegacias. Para fazer um boletim de ocorrência, a vítima precisava ter uma dose dupla de coragem. Primeiro, para denunciar o agressor, que muitas vezes era o próprio companheiro. E depois, enfrentar o preconceito nas delegacias. "A mulher chegava dizendo que apanhou do marido e o escrivão, homem, dizia: 'a culpa provavelmente é sua'. A visão era machista", relembra Michel Temer. Em 1985, ele era secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Depois de reuniões com movimentos feministas, como o SOS-Mulher, veio a idéia: "Um grupo de mulheres do ABC paulista me procurou dizendo serem mal atendidas na delegacia. Pensei 'por que eu não criar uma delegacia com uma mulher delegada, escrivãs e investigadoras para atender as mulheres?", diz Temer. Assim nascia a primeira delegacia da mulher no mundo.
Sucesso da iniciativa
Uma consequência natural do atendimento especializado levou foi um aprimoramento ainda maior. "Logo depois de inaugurarmos a primeira delegacia, percebemos que a mulher não podia voltar para casa depois de fazer a denúncia. Era um risco muito grande dela voltar a ser agredida. E não podíamos prestar um serviço pela metade. Então, foram criados as Centros de Atendimento à Mulher", relata Temer. Os centros são casas de apoio, em que as vítimas podem morar, com segurança, durante as investigações da polícia.
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A repercussão do atendimento especializado teve repercussão imediata em todo o mundo. Outros estados seguiram o exemplo de São Paulo. Hoje, são 421 unidades. "Acho que este sucesso todo se deve ao papel que o agente público deve ter, de sempre ouvir as demandas da população e dos movimentos organizados. Quando damos ouvidos aos anseios da sociedade, dificilmente, tomaremos medidas erradas", diz Temer.
Modelo para o mundo
Atualmente, a delegada da 1° Delegacia da Mulher da Cidade de São Paulo é a Dra. Celi Paulino. Ela diz ter entrado na polícia civil por conta da repercussão das unidades especializadas. "Eu via na televisão aquelas filas de mulheres com pernas quebradas, reclamando da violência", diz a delegada. Depois que entrou para a polícia, em 87, inaugurou delegacias da mulher no interior: em Jaú, Araçatuba e Garça. "Fui aos Estados Unidos dar palestras sobre nossa experiência. E muitas pessoas de outros países vêm aprender conosco, como do Japão, Austrália, Áustria, Chile. Nestes locais, existiam departamentos para combate à violência contra a mulher. Mas não uma delegacia especializada", diz Celi.
Maior abrangência
A combinação entre delegacia da mulher e leis mais severas, tem sido uma forma efetiva de combater a violência. Michel Temer concorda que ainda falta uma maior proliferação de unidades pelo país. "Somente quando tivermos delegacias em todas as cidades é que poderemos ter segurança de que o trabalho está sendo bem realizado. Ao mesmo tempo, temos que ter cuidado para que as leis, como a Lei Maria da Penha, tenham efetividade", diz Temer, em referência à lei que mudou o Código Penal Brasileiro. Entre outras mudanças, ela aboliu penas alternativas aos agressores e permite que autores de violência doméstica sejam presos em flagrante.