A principal diferença entre o crime de injúria racial e racismo é a quem se dirige a ofensa. Na sexta-feira (20), a corregedoria da Câmara Municipal de São Paulo aprovou a abertura de processo disciplinar contra o vereador Camilo Cristófaro (Avante) devido a uma frase racista que disse durante sessão da casa. O presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil São Paulo), Irapuã Santana do Nascimento da Silva, explicou a diferença entre as tipificações penais.
“Se você tem uma ofensa dirigida para uma pessoa ou um grupo determinado de pessoas, que você consiga destacar essas pessoas, é injúria racial. Quando você tem um número grande de pessoas sem conseguir individualizar, se você pratica essa ofensa para toda uma coletividade, você tem o crime de racismo. No caso do vereador, como ele fala que é coisa de preto, isso acaba trazendo uma ofensa a toda a comunidade negra, que são mais de 100 milhões de pessoas”, explicou.
No último dia 3, Cristófaro participava de forma remota de uma sessão da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos Aplicativos. Com o microfone aberto, o áudio da fala dele com outra pessoa acabou vazando: “Não lavaram a calçada, é coisa de preto, né?”, foi a frase ouvida dita na sessão.
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Silva pontua que a pena prevista para os dois crimes é igual, de um a três anos de detenção. A diferença está no tratamento da injúria racial como crime que cabe fiança e pode prescrever, o que não se aplica aos casos de racismo. O advogado comenta, porém, que essa confusão teve origem em 1997 quando o crime de injúria racial foi incluído no Código Penal, e não na lei dos crimes de racismo, Lei 7.716, de 1989.
“Como o crime de injúria está previsto no Código Penal, as pessoas falaram: olha, se tá fora da lei de crime de racismo, ela não pode ser colocada como um crime imprescritível e inafiançável. Veio daí essa diferenciação, mas, na verdade, se a gente for pegar tudo na origem, era tudo equiparado”, explicitou. Em 2021, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu, em uma situação específica, que o crime de injúria não é prescritível.
“O Supremo fez esse julgamento dentro de um processo que era de habeas corpus, então esse tipo de julgamento não irradia para outras matérias, só cria efeitos para aquele processo. Existe agora a ação, que é a Ação Direta de Inconstitucionalidade, que é justamente para colocar esse entendimento para todo o ordenamento jurídico. Por enquanto, continua da mesma forma: injúria racial é afiançável e prescritível; e o crime de racismo é imprescritível e inafiançável”, comentou o representante da OAB.
Outro caminho para equiparar o crime de injúria racial com o de racismo é a aprovação de uma lei no Congresso Nacional. Nesta semana, o Senado aprovou um projeto de lei com esse entendimento. “Ele [projeto] precisa ir para Câmara para passar pelo processo legislativo, votação, deliberação e a partir daí segue para sanção ou veto presidencial. Basicamente, a gente teria essa interpretação correta, de que o crime de injúria é uma espécie de crime de racismo e, por esse motivo, seria inafiançável e imprescritível.”
O projeto de lei em votação ainda estabelece o aumento da pena para dois a cinco anos e que os ofensores ficam proibidos por três anos de participarem de eventos esportivos, artísticos e culturais.
Silva reforça que diversos tipos de prova podem compor um processo de injúria racial ou racismo. “Todas as formas possíveis de demonstrar que aquele fato ocorreu podem influenciar no julgamento do processo. Às vezes, não se tem uma prova cabal, mas tem indício. Testemunha, vídeo, áudio, foto, um post, qualquer coisa nesse sentido vai servir de um elemento para que o magistrado, na hora de julgar o caso, possa se convencer de que aquele fato criminoso ocorreu e a partir daí fazer a aplicação da pena.”
No caso do vereador, além do processo administrativo, pode responder criminalmente pela prática de racismo. “Inclusive, seria cabível até uma ação civil pública indenizatória para que ele reparasse a violação que aconteceu com ofensa em relação a toda coletividade”, avalia o advogado.
Cristófaro negou que tenha sido racista e se referiu ao episódio como uma “brincadeira”.