Por dois longos períodos entre 2004 e 2006, o agrônomo Adelar Motter saiu de Londrina, norte do Paraná, e foi a Moçambique, sudeste da África, como membro de uma equipe de especialistas patrocinada por um organismo de cooperação internacional. O objetivo: participar do esforço de recuperação de um país que enfrentou cerca de 10 anos de uma sangrenta luta pela independência de Portugal, seguida por mais 16 anos de guerra civil envolvendo os partidários da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), de orientação socialista, e da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo).
Lá, não tardou a ver o que o olhar de um estrangeiro espera encontrar. O país enfrenta dificuldades de todo tipo – faltam empregos, habitações, saneamento básico, eletricidade, água, alimentos e sobram desnutrição, epidemias de AIDS e de febre amarela, burocracia, corrupção e uma caótica estrutura de poder –, e se liga ao Brasil por um povo que fala português e sustenta uma inacreditável alegria.
Especialista em gestão pública e desenvolvimento rural, Motter não relutou em deixar a posição de estrangeiro para vivenciar aquele novo mundo, sem medo de interações, empatias e influências. Ainda assim, mergulhar de tal forma no universo do outro não é coisa fácil de fazer. "Desvestir-me de um imaginário que trazia sobre o continente foi um desafio", admite.
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O que viu, ouviu e vivenciou aparece agora em dois livros, publicados com apoio do Programa Municipal de Incentivo à Cultura (Promic), de Londrina – Africanto, de crônicas, e Moçamba, de fotografias. Não é a primeira experiência de Motter no ofício da escrita. Ele conta que já "perpetrou" um volume de poesias quando era estudante na Universidade Estadual de Maringá.
Nesta nova incursão pela produção editorial, Motter revela um país contraditório (qual não é?) que, oscilando entre o tradicional e o moderno, luta para curar as feridas de um recente passado de guerras e superar a pobreza, a burocracia insana e a falta de infraestrutura. Ao mesmo tempo, apresenta ao leitor um povo alegre, colorido, sedutor, mergulhado em uma paisagem iluminada e, em muitos aspectos, até mágica – talvez, por obra de algum xamã local.
Em cada página, em cada fotografia, Adelar Motter deixa transparecer respeito e a admiração que desenvolveu pelos moçambicanos. Talvez revelando mais do que gostaria, mostra ainda outra viagem dentro da viagem à África: um mergulho interior. Noções preconcebidas cederam lugar à compreensão da lógica própria de um povo – sustentada em raízes históricas e culturais bem particulares. Ele deixou o olhar estrangeiro nas savanas de Moçambique para trazer apenas um olhar, sem adjetivos. É preciso ter coragem para fazer isso.