O jornalista Toninho Vaz se autodefine como "jornalista clássico", daqueles que conheceu redação no tempo da linotipo, batucou muito em máquina de escrever até ver a explosão tecnológica mudar todo o cenário. A sessão de autógrafos do seu primeiro livro, "Paulo Leminski - O Bandido que Sabia Latim", marcada para dia 3 de julho na Livrarias Ghignone/ Rua das Flores, mostra que ele também avançou nas letras: deixou temporariamente as notícias para alinhavar a vida do poeta.
Essa guinada na carreira ele deve a Alice Ruiz, mulher de Leminski, que fez o convite para que escrevesse a história do marido. Aceito o desafio, deu-se início o trabalho de coleta de material. Foi um ano de pesquisas, e mais um para escrever, arredondar, deixar o texto pronto. Quando a Editora Record mandou um e-mail comunicando que o livro tinha saído foi um susto. Daqueles de quando se tem um filho.
"Nasceu" era o título da mensagem. "Amenizou 40% da minha ansiedade", confessa o escritor. Ela só iria se esvair por completo depois que tivesse o livro em mãos, folheasse, cheirasse, virasse de todos os lados. "Fiquei uns três dias manuseando", confessa. Leu as 375 páginas "para ver os erros" e descobriu umas quatro coisinhas "bobas", de digitação. Toninho gostou tanto da experiência desse "filho gráfico" que pensa em arranjar um "irmãozinho". O jornalista foi acometido pelo vírus da literatura biográfica e saúda essa descoberta.
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Por quê Paulo Leminski para essa estréia?
Eu não escolhi, fui escolhido. Agora, se fosse escolher, seria Leminski. A Alice Ruiz, mulher e poeta com quem ele viveu durante 19 anos, me procurou e fez uma sugestão, dizendo que era tempo de se falar quem foi Paulo Leminski. Isso porque - sobretudo em Curitiba, mas também em São Paulo e no resto do Brasil - se encontram porções onde ele é um mito. Quando digo porções é a intelectualidade, pessoas ligadas à literatura, que transformaram o Paulo num mito. Aqui em Curitiba é forte essa mitologia leminskiana. Sabíamos que Paulo tinha a vida muito pouco retratada. Mesmo nós que éramos íntimos, não sabíamos como as coisas tinham exatamente acontecido com ele. Foram dois anos de trabalho, abençoado por Alice e as duas filhas que sempre me apoiaram, sempre me deram as informações que pedi. Massacrei-as com perguntas durante um ano de pesquisas, depois veio mais um ano de redação e acabamento.
Tirando o mito, que pessoa ficou de Leminski?
Uma das coisas com que mais me preocupei foi que minha amizade e admiração pelo Paulo não obscurecesse o lado humano dele, que eu não fizesse uma apologia. Hoje a sinceridade me parece uma característica forte do meu trabalho. Há coisas que não gostaria de abordar e abordei. Ele, que tinha forte influência na minha vida profissional, certamente esperaria que eu trabalhasse dessa forma, com sinceridade. Ao mesmo tempo nunca me preocupei com revelações sobre Leminski porque sei que a coisa mais obscura dele ainda é notável. Ou seja, ele não tem nódoas. Não existe nada a se lamentar em sua vida. Como ser humano, teve mazelas na vida como qualquer pessoa, mas nada que seja constrangedor.
Com a morte de Leminski fortaleceu-se o mito, até com um certo modismo em Curitiba. Fala-se mais do que se lê Leminski, assim como se elogia mais Villa-Lobos do que se ouve. Que retrato o livro traz do homem, com suas fragilidades e vaidades?
Eu abordei dois aspectos, particularmente, que você acaba de citar: a fragilidade e a vaidade. As contradições. Acho que cumpri com essa tarefa. Numa resenha do Jornal do Brasil, Geraldinho Carneiro usa de uma expressão onde ele diz: "Biógrafo se confessa admirador do biografado, mas faz um retrato humano e crivado de contradições". O fato do mito permanecer, mais se fala do que se lê, é próprio de pessoas brilhantes que morreram cedo. Raul Seixas, John Lennon - a morte deles, prematura, transformou-os num mito natural. Sempre me perguntam se o livro abala ou reforça o mito. Digo que nem era minha intenção desfazer, mas se assim o fosse seria difícil porque a qualidade do trabalho do Paulo se dá em cima de fatos reais. Ele realmente era excepcional em sua performance. Isso é admirável e, forçado por uma morte prematura, uma vida absolutamente singular, um sujeito engajado no difícil, chama a atenção. Não é corriqueiro você encontrar pessoas que tiveram uma produção literária cultural e intelectual como a dele.
Então o livro traz uma imagem já cultuada?
Não. Ele revela muitas faces do Paulo Leminski. Por exemplo, uma coisa que iria aborrecê-lo muito se vivo fosse, é que descobri um filho dele que ninguém conhecia. Paulo sabia disso, mas nunca falou. O fato de eu revelar isso certamente iria contrariá-lo. A mãe é a primeira mulher dele, tinha o nome de Nevair da Costa Leminski. Ele não iria gostar dessa revelação, como de outras tantas que estão na obra.
A biografia é uma grande reportagem?
Ela se diferencia num certo momento, em que deixa de ser somente jornalismo. Tem que ter um sabor literário. Senão, como fazer para o leitor acompanhar as 375 páginas da minha reportagem? Você precisa ter recursos estilísticos para conseguir levar o leitor até o fim da sua jornada. Aí é menos jornalismo e mais literatura.
A partir deste desafio pode-se pensar na criação de um romance?
O romance ficcional sempre foi um elemento muito estranho para mim, tenho dificuldade de criar uma personagem, um enredo. Não é dificuldade técnica, é vocacional. Mas agora percebi que basta mudar um cliquezinho no seu raciocínio, para se ver que a ficção é um monte de mentiras bem elaboradas, com a intenção declarada de se fazer um romance. Acho que vou partir para a ficção, a partir do relato jornalístico. Mas sou fascinado por revelar verdades e realidades; faz parte do meu sangue jornalístico, de repórter. Gosto de revelar o que é real.
A biografia deu o gostinho para escrever outras?
Tenho alguns convites, que não estou considerando, porque estou namorando os temas de meus personagens. Gostaria de fazer a biografia de Tim Maia, ou de Roberto Carlos, Torquato Neto. Vou tentar fazê-las, só estou esperando que meu livro me abra algumas portas. E como ele está sendo lançado agora, vou decidir isso nos próximos meses. Ou semanas, na melhor das hipóteses.
Dos três, qual seria o primeiro?
Se fosse para escolher, preferia fazer a biografia do Tim Maia. Sei que é difícil, a família está brigando muito. Eles querem participação no lucro do livro. Não existe isso. Por exemplo, este livro sobre Leminski, é meu. É produto do meu trabalho. Queria também escrever sobre Torquato Neto, por ser um poeta marginal, igual ao Paulo. Morreu novo, não tem uma obra tão significativa quanto a do Leminski, porque era uma alma muito mais conturbada. Não era uma pessoa que tivesse preocupação de construir uma obra. Sua maior obra foi a vida que levou: marginal, bandida.
O interesse por Roberto Carlos tem alguma coisa de fã...
Totalmente. Minha geração foi embalada por Roberto Carlos. "Quero que Vá Tudo Pro Inferno" é um grito de guerra inédito. Somente anos depois Caetano Veloso viria com outra renovação, "Alegria, Alegria". Há quase 30 anos moro no Rio de Janeiro; com o Chico Buarque cruzo quase todos os dias e com o Tom Jobim eu tomava chopp. Lá, qualquer um é figurinha fácil, menos Roberto Carlos. Ele não anda na rua, é um mito. Acho a história do Roberto misteriosa. A gente sabe muito bem que há aspectos da vida dele nunca revelados exatamente.
O que lhe chama a atenção nessas pessoas que gostaria de biografar?
Toninho Vaz - O desafio maior que eu tenho para retratá-los bem e fielmente é encontrar o equilíbrio aonde esteja a verdade deles, a verdade que quero tratar. Conheci várias pessoas que detestavam Paulo Leminski e outras que amavam. Tenho que descobrir por que alguns detestavam. E também o contrário. Então, no final, tenho que encontrar o equilíbrio entre essas coisas.