Uma cantora cheia de classe não significa necessariamente uma cantora cheia de bossa, certo? Em termos. Em seu 17º disco, a cantora Zizi Possi consegue provar que sofisticação e sisudez podem perfeitamente ser arquivadas em prol de uma causa que ela abraçou a pedido do presidente de sua gravadora, Marcelo Castello Branco. E no novo álbum, a cantora esbanja elegância mas agora num modelo prêt-à-porter. Ou seja, o temperamento cool de seus trabalhos anteriores - abrandados um pouco nos dramáticos e recentes discos italianos - ganha emoção em ''Bossa''.
Com bom senso apurado, a cantora acatou o pedido do chefe mas em vez de cantar clássicos da Bossa Nova - expediente mais que saturado - optou por dar concepção pessoal a canções que fogem da lenga-lenga do barquinho que vai, a tardinha que vem, do pato que canta alegremente, de abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim... e daí vai. ''Eu poderia fazer duas, poderia duas, três, quatro canções clássicas da Bossa Nova mas depois estaria me repetindo'', admitiu a cantora em entrevista à Folha2.
Resumo da Bossa: Zizi e companhia apoiaram-se no violão para dar aquele tempero que o gênero requer, mas abrem mão da ambientação cool na maioria das faixas. De clássico mesmo, apenas ''Caminhos Cruzados'', em registro sem maiores adjetivos. O melhor da festa está no recheio, principalmente em ''Capim'' (Djavan) que, com o auxílio luxuoso de Martinália (filha de Marinho da Vila) no tamborim, redesenha-se numa deliciosa - coerência, ora a Bossa Nova tem o samba como referência, pois não!?
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O disco abre e fecha com ''Preciso Dizer que Te Amo'' - a primeira em versão intimista e a outra com recursos eletrônicos. ''Yesterday'', emblemática canção de Lennon e McCartney, ganha interesse apenas pelo canto belo de Zizi Possi. Assim como João Gilberto inteligentemente fez e faz, dois boleros (''Sabras que Te Quiero'' e ''Yo Tengo un Pecado Nuevo'') ganham contornos bossanovístico - a diferença é que João é o mestre do minimalismo musical ao contrário de Zizi que se derrete, prolonga notas, modula a voz, faz bonito.
Mas nem tudo é bossa. ''Eu só sei amar assim'' (canção inédita de Herbert Vianna) nada mais é que uma balada prontinha para tocar nas rádios. A outra canção fresca do disco é ''Qualquer Hora'' ( João Linhares). No mais regravações. Agora, o que melhor há em ''Bossa'' é a emocionante ''Haja O que Houver'' (Pedro Ayres Magalhães), com participação especial Luiza, filha de Zizi. O oportunismo cai terra abaixo quando a menina, com timbre semelhante ao da mãe, abre a boca para cantar - e como canta bem.
Não adianta procurar experimentações mirabolantes em ''Bossa''. O que Zizi se dispõe a mostrar é sua maneira de sentir a Bossa Nova, mesmo que isso não seja nenhuma novidade. ''Bossa'' é um disco prazeroso e verdadeiro mesmo que haja um quê de comercial nessa ou naquela faixa. No entanto, Zizi Possi tem dignidade suficiente para atravessar a corda bamba de fronte erguida sem precisar de redes de segurança que o atual mercado fonográfico oferece com generosidade e galhardia a artistas afeitos à diversão fortuita ao grande público.
Leia mais na reportagem de Antônio Mariano Junior na Folha de Londrina/Folha do Paraná deste domingo