Entra em vigor nesta sexta-feira a proibição da participação de fundos, investidores e empresas em contratos de jogadores, medida tomada pela Fifa no fim do ano passado. A lei promete mexer com o mercado internacional e afetar clubes brasileiros. Pelo mundo, a medida vai afetar contratos avaliados em mais de R$ 3 bilhões e fundos de investimentos já mergulham na busca de um novo modelo para continuar a aplicar no futebol.
Nos últimos anos, foi o dinheiro aplicado por investidores que permitiu, por exemplo, salários elevados nos endividados clubes brasileiros. Segundo a Fifa, esse sistema retirou do clube o controle sobre seu elenco. A medida foi adotada agora para "proteger a integridade do jogo e dos jogadores e a independência dos clubes ao tomar a decisão sobre quem recrutar e sobre quem transferir". Contratos existentes continuarão em vigor, mas não podem ser renovados. E os que foram fechados entre 1 de janeiro de 2015 e 30 de abril terão a validade de apenas um ano.
O risco, segundo fontes do setor, é de que clubes pequenos do interior do Brasil passem a ser "alugados" por fundos de investimentos para permitir a manutenção do esquema. No lugar de uma empresa de fato ser a proprietária de um jogador, ela o camuflaria com a assinatura e a estrutura de um time.
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O debate começou em 2007, quando o empresário Kia Joorabchian criou uma polêmica internacional nas transferências dos argentinos Carlitos Tevez e Javier Mascherano do Corinthians para o West Ham, da Inglaterra. O caso levou a Uefa a colocar como um de seus objetivos a erradicação de empresas que controlem jogadores.
A CBF tentou convencer os demais dirigentes da Fifa a optar por uma regulamentação e não a extinção do sistema. Conseguiu apenas o apoio dos sul-americanos. No final de 2014, a Europa reuniu votos suficientes para a aprovação da medida.
A realidade é que, a partir de agora, dezenas de contratos de jogadores brasileiros poderão ser afetados e principalmente a capacidade de clubes de manter seus elencos. Neymar, por exemplo, ficou no Santos por um tempo maior do que se cogitava graças aos investidores. Paulo Henrique Ganso, no São Paulo, também vive situação parecida.
No Brasil, elencos como os de Corinthians, Internacional e Botafogo estariam entre os mais afetados. Segundo a Bichara e Motta Advogados, 80% dos elencos da Série A vivem sob esse regime.
Na Europa, Espanha e Portugal entraram com um processo legal contra a Fifa nos órgãos da Comissão Europeia diante da constatação que dezenas de seus jogadores só são pagos graças aos investidores. O fundo Doyen Sports, que já investiu 80 milhões de euros em jogadores desde 2011, entrou com processo em uma corte de Paris contra a decisão da Fifa. A audiência está marcada para o fim de maio.
Números da KPMG revelaram que mais de 1,1 mil jogadores na Europa são de propriedade de grupos financeiros e não de clubes. Juntos, esses investidores poderiam formar cerca de 50 times de futebol. No total, mais de US$ 1,2 bilhão (R$ 3 bilhões) estão investidos nesses jogadores.
NO BRASIL, BOA MEDIDA A MÉDIO PRAZO - Os dirigentes de clubes brasileiros espernearam contra a proibição de investidores, mas a medida deverá ser benéfica para eles a médio prazo. A opinião é do advogado Eduardo Carlezzo, especialista em legislação esportiva, para quem a recepção negativa à medida logo será superada.
"O primeiro impacto não foi positivo, pois os investimentos foram menores desde janeiro. Mas, num segundo momento, a médio e longo prazos, não tem como não ser positivo para os clubes", disse. "Eles terão 100% sobre os direitos econômicos dos jogadores, algo quase impossível de ocorrer hoje".
Ainda assim, até mesmo quem prega a modernização da administração vê com reservas as proibição. É o caso do presidente do Palmeiras, Paulo Nobre. "Os investidores são um mal necessário. O ideal seria que os times estivessem saneados financeiramente e pudessem contratar atletas ou, por opção própria, dividir seus riscos com os investidores", disse, recentemente. "Ficará difícil contratar sem apoio externo".
Carlezzo entende que vale a pena passar por esse período de transição. "A parte mais benéfica para os clubes é que eles terão os direitos totais sobre os atletas. O clube é prejudicado não quando não pode ter investidor e sim quando tem de ceder os direitos de graça".
Ele dá como exemplo o caso do zagueiro Cléber, negociado em agosto passado com o Hamburgo, da Alemanha, por 3,1 milhões de euros (cerca de R$ 9 milhões), sem que o Corinthians recebesse um só centavo. A Fifa, aliás, abriu investigação sobre o caso.