Mario Jorge Lobo Zagallo não esquece a seleção brasileira. Tetracampeão mundial como jogador, técnico e auxiliar, ele continua como fiel torcedor da "amarelinha", termo que usou mais de uma vez há duas semanas, quando recebeu o jornal O Estado de S. Paulo para uma conversa no condomínio onde mora, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio.
Por quase uma hora, Zagallo falou sobre "o erro, a infelicidade do Felipão" nos 7 a 1 e se disse surpreso pela escolha de Dunga como sucessor. Mas demonstrou confiança no atual treinador, que "está fazendo um trabalho muito bom e uma mudança tática em relação ao que foi apresentando na última Copa".
Para Zagallo, a Copa América do Chile "será um bom teste". Ele destacou a importância de Neymar e disse ter convicção de que o Brasil estará no Mundial da Rússia, em 2018. O ex-treinador também comentou duas de suas decepções: o bronze olímpico e a derrota na final da Copa da França, em 1998. E o "Velho Lobo" não deu por encerrado seu ciclo na seleção. "Falou em ‘amarelinha’, eu estou sempre junto para colaborar." Confira os principais trechos da entrevista exclusiva, publicada nesta segunda-feira pelo Estadão.
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Estadão - Como o senhor vê o momento da seleção?
Zagallo - Está numa fase de transição. Infelizmente perdemos a Copa em casa, e é óbvio que você não pode mudar da noite para o dia. Eu, a princípio, até pensei que fosse escolhido outro treinador - ninguém poderia pensar no Dunga porque ele não estava trabalhando em clube. Acho que ele aproveitou bem e está fazendo um trabalho muito bom: invicto em oito jogos e fazendo uma mudança tática em relação ao que foi apresentando na última Copa. Ele está querendo resgatar e colocar em prática o próprio futebol brasileiro. Todos sabem que o nosso futebol é de toque. A seleção tem de se impor tanto na parte defensiva quanto na parte ofensiva.
Estadão -Na avaliação do senhor, essa série de oito vitórias já devolveu o respeito e orgulho que a seleção sempre teve?
Zagallo -Os resultados contra equipes grandes são fundamentais para que o futebol brasileiro tenha o mesmo prestígio de antes. Não é por um 7 a 1, uma coisa desastrosa, que nós não vamos dar a volta por cima. Houve um erro, uma infelicidade do Felipão, de ter adotado naquele momento uma marcação sob pressão, quando a seleção brasileira não vinha bem. É só você olhar para a Argentina, como ela jogou contra a Alemanha. Teve tudo para fazer 1 a 0, e hoje nós não estaríamos falando na Alemanha, estaríamos falando da Argentina. Mas o futebol é resultado. A Alemanha jogou bom futebol? Jogou, não tenha dúvida, mas o futebol brasileiro pode se erguer, tenho certeza absoluta.
Estadão -Se o Brasil tivesse jogado de uma maneira diferente, poderia ter vencido?
Zagallo -Não tenha dúvida. Nós não vínhamos jogando bem, quase fomos eliminados pelo Chile. Até aí o futebol brasileiro não explodiu, então como você vai jogar contra uma Alemanha fazendo marcação em cima?
Estadão -Pode-se tirar um aspecto positivo ou alguma lição daqueles 7 a 1?
Zagallo -Aquilo foi um desastre, não se pode analisar "ah, o futebol brasileiro acabou". Foi um momento, uma decisão em que se tivesse adotado um esquema defensivo, aí sim, para contra-atacar... Estava em casa vendo o jogo, e quando a seleção saiu em cima, eu disse que estava errado. Isso no meu ponto de vista, não sou dono da verdade. Foi uma infelicidade do Felipão.
Estadão -Pelo bom nível atual das demais seleções, o senhor acha que esta Copa América vai ser uma das mais difíceis?
Zagallo -Acho que sim, porque o Brasil ainda não está pronto. Vai ser um bom teste, e as ideias do Dunga estão mostrando que a gente está no caminho certo. A concretização vai ser nas Eliminatórias, e digo isso porque o Brasil nunca deixou de se classificar para a Copa do Mundo. Mas, pela evolução dos outros países e com o Brasil chegando de uma reformulação, será um teste para ver quanto progredimos.
Estadão -Um eventual fracasso na Copa América pode trazer alguma consequência para essa evolução?
Zagallo -Não creio. Estamos num período de testes até o Dunga chegar (e mostrar) "esta é a seleção brasileira". Uma base ele já montou, e vai chegar o momento em que vamos ter um time em que todos vão saber de cor.
Estadão -O senhor lembrou que o Brasil nunca ficou de fora de uma Copa do Mundo. Tem receio que isso mude agora?
Zagallo -Não, eu tenho confiança no futebol brasileiro, como tenho confiança nos treinadores brasileiros. Fala-se muito que na Europa estão os melhores treinadores. Evidente: se você tem em mãos jogadores de alto nível, vai trabalhar dentro dos clubes que são verdadeiras seleções. É bem diferente do futebol que está sendo jogado aqui. Os treinadores (europeus) têm na mão o que querem. Queria que o Guardiola, o Mourinho, o Ancelotti, viessem trabalhar aqui e pedissem "traz o Fulano". Não tem. "Traz o Cicrano". Não pode. Aí eu queria ver essa diferença que tanto falam.
Estadão -E dentro de campo, o Brasil está carente de jogadores diferenciados?
Zagallo -Se você for fazer uma comparação de antes para agora, há uma diferença grande. Por exemplo, quando eu cheguei para ser treinador eu tinha o que escolher, nós tínhamos todo um material humano. Mas é evidente que um treinador é de grande importância na mudança tática, na escolha dos jogadores. Eu mesmo peguei uma seleção que estava jogando num 4-2-4, totalmente superada, e mudei a maneira de jogar, jogando em bloco, a princípio num 4-3-3, mas sabendo se defender e sabendo atacar.
Estadão -O Neymar já está no auge ou ainda tem a crescer?
Zagallo -É um excelente jogador, e tem pouca idade ainda. Ele tem muita coisa pela frente! A experiência ainda vai bater nele, que atualmente é o melhor jogador do futebol brasileiro e um dos melhores do mundo. Mas ele está só, e precisa de coadjuvantes para explodir e o Brasil mostrar que nosso futebol continua de pé.
Estadão -Nesse sentido, o senhor acha que o fato de jogar no Barcelona, ao lado de Messi, Suárez e Iniesta, é bom para ele?
Zagallo -Sim, é de grande importância. Eles sabem a maneira de jogar e o Neymar se encaixa neste molde de jogadores de alto nível técnico. É melhor do que vir para cá e jogar em qualquer time; ele não vai ter a mesma produção que está tendo no Barcelona. Ele vai cair porque o futebol que está sendo jogado aqui dentro não se pode comparar com o nível de um que tem o Messi, o Suárez. Acho que o Neymar ainda vai ser um fora de série; se ele já é, vai produzir ainda mais.
Estadão -Neymar será eleito o melhor jogador do mundo?
Zagallo -Neste momento, Messi e Cristiano Ronaldo estão à frente. Mas, mais adiante, não tenho dúvida. Ele tem futebol para isso.
Estadão -O ouro olímpico é uma obsessão. O senhor acha que isso atrapalha?
Zagallo -A gente tem de correr atrás. Uma coisa que ficou engasgada na minha vida foi o ouro olímpico. Nós ganhamos um bronze quando devíamos ter trazido o ouro (nos Jogos de Atlanta, em 96).
Estadão -É uma de suas maiores decepções?
Zagallo -Tenho certeza, apesar de ter ganhado o bronze. O objetivo era o ouro, e o futebol brasileiro tem de pensar sempre assim, no ouro. Não deu, tivemos uma infelicidade. Já tínhamos ganhado deles (Nigéria) de 1 a 0 na fase inicial e ganhando de 3 a 1 (na semi) você não pode perder o jogo.
Estadão -Foi mais dolorido do que perder a final da Copa de 1998?
Zagallo -São duas coisas diferentes. Houve o problema com o Ronaldo, que não teve culpa absolutamente de nada. Ele teve um problema físico no dia do jogo, com a convulsão. Podia ter dado cinco dias antes ou cinco dias depois... Fomos vice, mas se estivesse tudo normalizado seria outro resultado. Não quero menosprezar em nada a França, que ganhou e ganhou bem, mas o problema do Ronaldo teve uma influência muito grande. É passado. Gosto demais do Ronaldo, para mim foi o melhor atacante que vi fazendo gols, sofreu da parte física do joelho duas vezes e se superou. Tenho de bater palmas pro Ronaldo por tudo o que ele representou.
Estadão -Sente falta do convívio com a seleção brasileira?
Zagallo -Ah, é bom demais. A gente fica com saudade, torcendo como eu torci (na Copa do ano passado).
Estadão -A seleção agora tem o assistente técnico pontual. Se surgisse o convite, o senhor aceitaria?
Zagallo -É uma satisfação, mas depende do meu estado, se estou em condição de fazer uma viagem grande. Mas, falou em "amarelinha", eu estou sempre junto para colaborar.
Estadão -O que podemos esperar do Campeonato Brasileiro?
Zagallo -Acho que o Palmeiras tem uma equipe pronta. O Palmeiras tem não só um time, mas um banco grande para fazer as mexidas e isso vai ser fundamental. Claro que temos o Corinthians, o Cruzeiro, o Atlético, o Inter, o São Paulo... Gosto muito do São Paulo, e acho que vai engrenar. Não posso deixar de citar o Santos, mas tem um grupo muito pequeno para uma extensão muito grande de jogos.
Estadão -O que o senhor achou da punição de quatro anos imposta ao Jobson?
Zagallo -Um absurdo. Acaba com a vida de um jogador. Ele está com 27 anos e vai ficar quatro anos parado? Se for pra punir, quatro anos é muita coisa. Que sejam seis meses, então. Ele nem foi pego em nada, apenas não fez o exame. Não pode tirar o ganha-pão do cara da noite para o dia.