Oito em cada dez indivíduos com obesidade já foram alvo de algum tipo de constrangimento em razão do excesso de peso, e a maioria diz ser vítima de discriminação pelo menos uma vez ao mês. Um estudo a respeito de obesidade e gordofobia, promovido via internet com 3.621 pessoas, das quais 88% tinham excesso de peso, aponta que, para 72% dos entrevistados, o ambiente familiar é o mais hostil em relação a episódios de constrangimento por conta do peso.
Feita em fevereiro deste ano pela Sbem (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) e pela Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica), o trabalho identificou que, após o ambiente familiar, os locais onde pessoas com obesidade sentem mais preconceito são lojas e comércio em geral (65,5%), situações de discriminação no médico (60,4%) e no trabalho (50,7%).
Para a endocrinologista Maria Edna de Melo, coordenadora do Departamento de Obesidade da Sbem, o constrangimento e o preconceito não atingem somente os obesos. “Quase 70% das pessoas com sobrepeso já relatam ter constrangimento relacionado ao peso. E, à medida que vai aumentando o grau da obesidade, isso vai ficando mais frequente“.
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O que chamou mais atenção da médica na sondagem foi que o principal local de preconceito é a própria casa. “Embora no colégio e no trabalho ocorram situações de constrangimento, é dentro de casa que o preconceito é mais frequente. No dia a dia, quando a gente conversa com os pacientes, isso é bem nítido”.
Conforme o Ministério da Saúde, no Brasil, o excesso de peso atinge mais de 60% da população, e cerca de 20% dos adultos já estão com obesidade.
Para minimizar o impacto dessa doença na saúde dos brasileiros, a endocrinologista aponta a ampliação do conhecimento sobre o tema e na oferta do cuidado adequado.
“A pessoas precisam entender a obesidade como uma doença, entender que não é escolha, que as pessoas que têm obesidade buscam, diariamente, melhorar sua alimentação, tentar melhorar sua saúde. Para a população com obesidade, em geral, essa é uma tentativa de todo dia. Se não fosse uma doença, seria fácil. Mas não é. Fica muito difícil controlar o impulso pela comida, porque tem comida em todo lugar”, pontua a médica.
A especialista destacou ainda a necessidade de se entender a complexidade do problema e respeitar as pessoas. Conforme a médica, há uma visão muito fechada quando o tema é obesidade. “Todo mundo acha que é só fechar a boca e fazer uma caminhada e as pessoas já têm certeza que sabem tudo a respeito do assunto. Falta humildade para as pessoas estudarem o assunto e empatia para entender que não é um defeito da pessoa nem é falta de vontade”, frisou.
Respeito
O levantamento aponta que, quanto maior é o grau de obesidade, maior a frequência de pessoas que sofrem algum constrangimento diário: 27% das pessoas com grau 3 de obesidade relataram sofrer constrangimentos todos os dias. “Para algumas pessoas, isso acontece diariamente. Isso é muito ruim, porque piora a obesidade. A pessoa se estressa, se angustia e acaba comendo mais”. A isso se soma, muitas vezes, o fator genético, apontou a médica.
“A gente precisa respeitar as pessoas independente do seu corpo. Tem que respeitar independente de qualquer coisa. Se é condição da pessoa, não é da nossa conta. Não é a gente que tem que se meter, mas é a própria pessoa que tem de tomar as providências quando e se achar que deve”.
“Com empatia, a gente ajuda. Não adianta ser não gordofóbico. Tem que ser antigordofóbico”, destacou.
Preconceito
Melo chama atenção para o fato de que o preconceito pode ser um dos fatores que contribui para piorar a obesidade. Quase 30% de quem tem sobrepeso dizem acreditar serem culpadas por aquela condição e não buscam ajuda profissional.
“Na realidade, a obesidade é uma doença que sofre influência de diversos fatores como genética, estilo de vida, estresse, existência de outras doenças associadas, alguns tratamentos medicamentosos, além do tipo de alimentação que aquela pessoa segue. Não é uma escolha individual, mas consequência de uma confluência de fatores”, comentou.
A sondagem mostra que 81% das pessoas com obesidade já tentaram perder peso de alguma forma, sendo que 68% o fizeram com ajuda especializada, seja de médicos, nutricionista ou demais especialistas da saúde, e 32% por conta própria.
Dos que tentaram sozinhos, mais da metade (63%) investiu no combo dieta e atividade física. Entre as pessoas que afirmaram ter tentado perder peso por conta própria, pelo menos 18% declararam ter feito uso de medicamentos sem acompanhamento médico e de artifícios arriscados como substitutos de refeição (‘shakes’), produtos ou medicamentos vendidos na internet, fitoterápicos e chás.
Para a especialista, esses números mostram que as pessoas ainda têm resistência a buscar ajuda especializada. No entanto, a obesidade, como qualquer outra doença, precisa de tratamento.
O levantamento identificou que só 13% das pessoas procuraram ajuda para perder peso no SUS (Sistema Único de Saúde), 62% delas declararam que não se sentiram confortáveis e acolhidos no atendimento, o que ocorreu com mais frequência entre aqueles com maior grau de obesidade.
“Isso ressalta outro dado preocupante, que é o preconceito que a pessoa com obesidade sente ao procurar ajuda médica. Precisamos de profissionais mais bem preparados e prontos para atender a essa demanda”, alertou.
Uma pessoa apresenta diagnóstico de obesidade quando seu IMC (Índice de Massa Corporal) é maior ou igual a 30 kg/m2. A faixa normal varia entre 18,5 e 24,9 kg/m2. O IMC é calculado dividindo o peso (em quilos) pela altura ao quadrado (em metros).
Conforme o Ministério da Saúde, a obesidade é um dos principais fatores de risco para várias doenças não transmissíveis, como diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares, hipertensão, acidente vascular cerebral e várias formas de câncer.
O Dia de Luta Contra a Gordofobia, lembrado em 10 de setembro, foi criado em substituição ao “Dia do Gordo” que, durante muito tempo, foi visto de forma pejorativa. Nos últimos anos, entretanto, a data foi abraçada pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia para conscientizar a sociedade sobre a importância do respeito à pessoa com obesidade.