Após quatro dias de julgamento e cerca de 40 horas de debates, o júri condenou, nesta quinta-feira (20), a 17 anos e 6 meses três médicos acusados por homicídio, por terem retirado rins de pacientes ainda vivos em Taubaté (SP), para usá-los em transplantes particulares na capital.
O caso aconteceu na década de 1980 e ficou conhecido como Kalume, em referência ao médico Roosevelt Sá Kalume, autor das denúncias e à época diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Taubaté. Foram condenados os médicos Mariano Fiore Junior, Rui Noronha Sacramento e Pedro Henrique Masjuan Torrecillas.
A exposição da defesa terminou às 15h40 desta quinta. Os sete jurados - quatro mulheres e três homens - permaneceram cinco horas na sala secreta para responder às 60 perguntas formuladas pela promotoria e pela defesa: 20 para cada um dos réus. A primeira questionava se as vítimas foram submetidas à extração dos rins sem a efetiva constatação de morte encefálica.
Leia mais:
Denúncias contra médicos por receita de hormônios cresceram 120% em um ano, diz CFM
Saiba quais doenças dão direito à isenção do Imposto de Renda
Centro de Doenças Infecciosas amplia atendimento para testes rápidos de HIV em Londrina
Saúde investiga circulação do vírus causador da Febre do Nilo no norte do Paraná
Antes do veredicto, familiares dos médicos rezaram de mãos dadas. Quando o juiz começou a ler a sentença, Sacramento desmaiou. Houve tumulto no plenário. A defesa pediu que a câmera da Rede Globo - única emissora no recinto - fosse desligada para preservar a imagem dos réus. O juiz negou o pedido, argumentando que o fórum é um ambiente público.
Quando o magistrado retomou a leitura da sentença, familiares dos réus também passaram mal, atrasando mais uma vez o procedimento. Por fim, o juiz anunciou a condenação: os três devem cumprir 17 anos e 6 meses de prisão em regime fechado. Também serão obrigados a pagar cem Unidades Fiscais do Estado de São Paulo (Ufesps), cerca de R$ 1.745.
Perplexos, os familiares se abraçaram e choraram. Os médicos deixaram o edifício escoltados por amigos e parentes, sem falar com a imprensa. Um dos familiares de Fiore tentou agredir os fotógrafos que se aglomeravam na frente do fórum.
O promotor Márcio Augusto Frigi de Carvalho, de 33 anos, considerou a decisão histórica para a cidade e para o País. "O povo de Taubaté fez justiça", afirmou, após o julgamento. Ele considerou a pena justa e disse que não pretende interpor recurso. Para ele, a descoberta de provas convincentes foi o fato decisivo que levou os jurados a optarem pela condenação dos réus.
O advogado Sérgio Salgado Badaró disse estar inconformado com a decisão. "O júri é soberano e eu respeito a decisão. Mas o fato de eu respeitar não quer dizer que eu concorde e muito menos que eu não vá recorrer", afirmou, após o julgamento. "Respeito, discordo e recorro." Os réus poderão recorrer em liberdade.
Argumentos
De manhã, o promotor pediu a condenação, com base na tese de que os rins dos pacientes foram retirados quando eles ainda estavam vivos. Para o promotor, existia na cidade uma "central de captação" de rins, que seriam levados para a capital para serem usados em transplantes particulares.
À tarde, o advogado de defesa usou suas duas horas para expor aos jurados as razões para a absolvição. "O promotor diz que não há prova segura de que os pacientes estavam em morte encefálica. Mas há alguma prova de que estavam vivos?", disse Badaró. "Se os condenarem, vocês serão o primeiro júri do País em que os jurados condenaram médicos por matar gente que já estava morta."