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A moça encalhada (conto)

01 fev 2010 às 11:27

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- Isabel Furini (fotógrafa)
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A filha de 30 anos estava encalhada. O caso parecia sem esperanças e dona Dolores estava disposta a apelar a qualquer médium. Foi então que sua vizinha Raquel, a insidiosa Raquel, falou daquela benzedeira...

– Ela é melhor do que santo – disse Raquel com sua voz estridente – ela vai dar um jeito nessa menina.

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Dolores, sem saber, entrou na brincadeira da vizinha. Raquel falou com a irmã da sua empregada, que morava numa chácara e, para divertir-se, deu um dinheiro para pregar uma peça na Dolores. Raquel parecia odiar o mundo. Jogava papéis no jardim da vizinha. Avançava com o sinal vermelho e, nos dias de chuva, gostava de dar banhos nos transeuntes e fazia questão de pisar nas poças de água que se formavam nas ruas.

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Na segunda-feira, sete da manhã, Raquel tocou a campainha. – Vamos no meu carro, disse para Dolores. Hora e meia de viagem. A benzedeira mora mesmo no fundo do cafundó... pensou Dolores. Saíram da estrada principal e entraram por uma ruazinha de terra. Por fim, Raquel estacionou o carro. Chegamos – disse.

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Dolores olhou em volta, só viu mato. Chegamos? – perguntou, incrédula. Caminharam até um casebre que mal se sustentava em pé. Parecia que o teto ia desabar a qualquer momento. Até as paredes de madeira eram bambas. Um cachorro velho aproximou-se e cheirou-as.


Raquel bateu. Alguém em casa? Uma voz de mulher respondeu: Podem entrar, em nome de todos os santos. Entraram na sala. Uma mesa cheia de velas, um altar com muitos santos... sentada perto das velas estava uma mulher muito idosa, de cabelos brancos... um rosto magro que parecia ter rugas entre as rugas. Dolores não sabia que as rugas eram desenhadas e, na penumbra da sala, só iluminada por velas, pareciam verdadeiras.

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Raquel, muito falante, explicou a situação. A mulher pegou uma vela e fez pingar a cera num prato. A vela está chorando, disse – mas ela vai conseguir marido, vai sim....


– Ela tem irmãos?

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– Não, só uma irmã...


– Você tem irmãos?

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– Não - respondeu Dolores, só duas irmãs.


Agora dá para entender – murmurou a mulher dissimulando o riso – na família tem falta de homens... É isso que está prejudicando a primogênita. Se quiser que ela case, escute bem... se quiser que ela case terá que conseguir uma cueca de homem.... tem que ser cueca usada de homem e não pode ser de homem da família, não. Ela deve pegar a cueca e colocar na cabeça. Deverá usar a cueca um dia completo, do nascer até o pôr-do- sol, então, ir ao cemitério e jogar a cueca na portão, do lado direito. Lembre, do lado direito...

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– E vai desencalhar? – perguntou Raquel dissimulando o riso.
– Vai casar, sim... – respondeu a mulher, rindo.
– Mas... onde vou conseguir uma cueca?.... Ela não vai querer usâ-la.... Que loucura! Exclamou dona Dolores.
– Loucura? Não sei, não... – a mulher mastigou as palavras de maneira exagerada para ser fiel a sua representação – mas é a única maneira de sua filha conseguir marido.


Enquanto voltavam para a cidade, Dolores falava de forma nervosa. Como vou fazer para que minha filha use a cueca? Deixa comigo, disse a Raquel, não se preocupe. Raquel teve uma longa conversa com a Soraya. Falou e falou e contou todos os milagres que a benzedeira tinha feito... a filha de dona Luciane casou graças à benzedeira, e o filho do seu Elias passou no vestibular graças à benzedeira, e o tio da Ester que estava doente....

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Por fim, Soraya, convencida da capacidade da benzedeira, decidiu usar a cueca. De quem? – perguntou dona Dolores. Risoleta, a artesã, que escutava a história de Dolores com atenção, enquanto experimentava uma blusa, sensibilizada, falou: Nem se preocupem, vou trazer a cueca do Pedrão, meu sobrinho, vou roubar do quarto dele...


O Pedrão abriu os olhos que ainda estavam pesados de sono... Tia? É você? Risoleta, com a cueca do Pedrão na mão, não se acanhou, continue a dormir, ordenou. O rapaz tinha tanto sono, que obedeceu, virou a cabeça para o lado da parede e continuou dormindo.


Ao acordar, olhou o relógio. Eram dez da manhã... Sonhei que a tia Risoleta levava minha cueca... olhou na cadeira. Eu não sonhei! A tia Risoleta levou mesmo a minha cueca... Colocou a calça e foi procurar a mãe, que estava na cozinha.


– A tia Risoleta levou minha cueca.
– Eu sei disso. Sua tia está sempre ajudando os outros – disse a mãe.
– A cueca era minha... que ajude os pobres doando suas calcinhas...
– Você não entende, meu filho... Você não entende....


O Pedrão foi à casa de Risoleta para conhecer a história completa. Riu muito da situação e quis conhecer Soraya. A moça deve estar desesperada.... É bonita? É, respondeu Risoleta, você quer conhecê-la?


Risoleta apertou a campainha com insistência. Dona Dolores abriu a porta, a Risoleta entrou com o Pedrão e avançou pela sala até a porta da cozinha. Lá estava a Soraya com o pijama rosa e a cueca na cabeça.


– Oi – disse o Pedrão – essa cueca é minha....


Olhos arregalados. Tumulto. Lágrimas. Soraya correu para o quarto, fechou com chave, e não quis sair até terminado o dia. – Não tire a cueca da cabeça, não tire a cueca... gritava a mãe do outro lado da porta.


Ao anoitecer, Soraya saiu do quarto. O Pedrão tinha ido, mas a Risoleta estava firme. Viúva, com uma boa pensão e sem filhos, não tinha muito para fazer na vida, por isso dedicava suas horas a fazer peças de cerâmica e ajudar as pessoas.


Risoleta levou Soraya até o cemitério, já era noite, a moça tirou a cueca da cabeça e jogou-a do lado direito do portão...


No outro dia, Pedrão saiu do trabalho mais cedo. Era formado em administração e a empresa adotara um modelo moderno. Os funcionários tinham uns horários mais ou menos elásticos. Foi visitar a tia Risoleta. Há..Há...Há.... o bicho te pegou! Gritou a tia..


Caminharam até a casa de Soraya. A mãe os recebeu esperançosa, o rapaz parecia honesto e tinha um bom emprego. Soraya se escondeu de novo no quarto... A mãe gritou para não ser infantil. Estava se comportando como uma criança. Por fim, depois de várias visitas, Pedrão e Soraya ficaram sozinhos...


Conversaram.... tinham gostos semelhantes, os dois gostavam de navegar pela Internet, caminhar pelo parque, ver filmes de investigação policial, comer pipocas...


Soraya e Pedrão foram até a locadora e voltaram com um filme. Sentaram no sofá verde da sala, Pedrão estendeu o braço e descansou a mão no ombro da moça. Dolores espionava por trás da porta. Deixe eles em paz, murmurou o pai. Vá fazer pipocas. Dolores colocou as pipocas no microondas. Os olhos brilhantes, sorriso amplo no rosto, sussurrou feliz para o marido: "A cueca deu certo... a cueca deu certo..."


No dia seguinte, dona Dolores, feliz, foi contar para Raquel que sua filha estava namorando. Raquel ficou irritada. Contou a verdade. ¾ Você não conheceu benzedeira nenhuma! Você falou com a irmã de minha empregada doméstica, sua burra! E fez sua filha colocar uma cueca na cabeça e fazer o papel de tola...
Dolores, humilhada, mordeu os lábios e afastou-se a passos lentos. De repente, parou e virou-se para Raquel que estava na porta da casa:


– Sabe, Raquel, você é uma bruxa mal-sucedida porque, sem querer, fez o bem. Não interessa se me enganou. Graças à cueca, minha filha está namorando e isso é o que importa!.. Ao dizer isto, sentiu-se contente e voltou para sua casa com um sorriso maroto nos lábios. Tinha muito para costurar, talvez escolher um vestido de noiva....

Raquel ficou irritada. "Vou colocar música em volume bem alto para incomodar os novos vizinhos" pensou... Mas quando viu o novo vizinho, descendo do carro, um homem enorme, com um revólver no cinto, e olhar feroz. "É melhor caminhar um pouco.... hoje não é meu dia, que pena, não consegui atrapalhar a vida de ninguém", murmurou com tristeza.


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