Ary Fontoura agitou as redes sociais. O motivo da turbulência é uma carta aberta na qual ele solicita que a presidente Dilma Rousseff renuncie ao PT.
E não quero falar de política, citei o grande ator Ary Fontoura porque quero falar de textos.
Tive a oportunidade de escutar textos de pessoas bem intencionadas que escreveram sobre suas ideias. Textos ingênuos que explodiram como bombas. São esses efeitos colaterais dos textos que nos deixam perplexos. Às vezes, resmungando: "Eu não queria dizer isso".
Amo a palavra, seja oral ou escrita. Já escrevi livros de Oratória e há anos oriento a oficina "Como Escrever Livros", no Solar do Rosário, em Curitiba. E sei que algumas vezes o autor elabora um pensamento, mas entre a ideia pensada e a ideia levada ao papel a diferença pode ser enorme e comprometedora. O autor quer dizer "A", mas as palavras que usa levam os leitores a fazer associações, a pensar em "B" e em "C".
Em primeiro lugar o leitor real não é sempre aquele indivíduo que o escritor imagina. Como bem esclarece Umberto Eco no livro "Sobre a Literatura", existe diferença entre o leitor ideal e o leitor real.
E leitores têm cabeças diferentes, histórias de vida diferentes e pensam de maneira diferente. Uma palavra mal usada pode não ter muito efeito em um leitor, e pode ter um efeito fortíssimo em outro. As palavras têm um significado digital e um significado analógico. Algumas palavras despertam emoções. Até nomes de pessoas e cidades podem despertar fantasias. Dizer New York, Roma ou Paris, cria fantasias em alguns indivíduos. Essas cidades parecem prometer luxo, sofisticação e diversão. Poucos lembram que nessas cidades também existem problemas.
E, muitas vezes, o texto é escrito pensando que os outros com certeza vão compartilhar o ponto de vista exposto. Coitado do escritor quando descobre que os outros pensam diferente, ou pior ainda, que tergiversam o sentido das frases por ele escritas.
Alguns destacam que o texto de Ary Fontoura incentivou o ódio de algumas pessoas. Mas essas pessoas já sentiam ódio, e usaram o texto em um sentido diferente. Esse fato revela como é difícil lutar com palavras. Dificílimo. Nem sempre o autor escreve exatamente o que pensa escrever, nem sempre o leitor entende o que autor tentou comunicar.
Muitas vezes as palavras nos fazem lembrar dos seres vivos. As palavras nascem, crescem, podemos dizer que se reproduzem e com o tempo morrem.
As palavras são tão importantes na vida humana que Esopo, o escritor grego, fez uma fábula na qual o rei solicita a seu conselheiro uma comida que possa ajudar, colaborar, construir, levantar pessoas e cidades. O conselheiro ordena ao cozinheiro servir ao rei um guisado de língua. Dias mais tarde, o rei chama novamente seu conselheiro e solicita uma comida que seja capaz de destruir, de aniquilar famílias, amizades, cidades e reinos. E o conselheiro novamente ordena ao cozinheiro servir ao rei um guisado de língua.
Esse é o poder da palavra, seja oral ou escrita. A palavra pode construir e destruir, alegrar e entristecer, erguer ou aniquilar. Por isso, sempre fico impressionada com o poder das palavras. Talvez, esse conhecimento levou os povos orientais a cultivar o silêncio como uma maneira de superação e de espiritualidade.
Isabel Furini é escritora e poeta. Contato: [email protected]