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BORGES E O POEMA DE AUTOAJUDA

17 jun 2010 às 08:33

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Olhar poético - Isabel Furini
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Acho que foi em 2005, orientava oficinas de textos, quando uma amiga falou do poema intitulado Instantes (ou Momentos), com "dicas" de mente positiva, de autoria de Jorge Luis Borges. Minha primeira reação foi gritar: Não pode ser de Borges!

Ela insistiu, dizendo que o texto estava circulando pela Internet.
Eu retruquei: Borges escrever um texto de mente positiva? É algo assim como um bêbado confessar seu amor pelo leite!

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O poeta cego, escrevendo temas de positivismo mental? Borges? Aquele cego de voz amarga que eu havia escutado em uma palestra em 1970, quando estudava filosofia em meu país? A turma o escutou em silêncio, olhando-o como a um ídolo. Apesar de muitos o odiarem por sua posição política (extrema direita).

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Ele divertiu a plateia com frases irônicas como: "as pessoas têm o mau costume de morrer", e "minha mãe tem tantos anos que ela não é eterna, ela é imortal". Depois falou dos paradoxos de Zenón de Elea.

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Só participei dessa palestra. Se fosse hoje, não perderia uma única oportunidade de escutá-lo. Mas, na época, eu era jovem e estava mais interessada em passar longas horas em bares, discutindo temas de filosofia com meus amigos Alice, Jorge e Cristina, que em escutar um gênio como Borges. Vocês sabem como é... aos 20 anos, a gente se acha dono do mundo – e demora um tempo até entender que o mundo é que é o dono da gente.


Escutei dizer que Borges reclamava de tudo – mas isso é cultural. Afirmam que os argentinos nascemos reclamando do médico e das enfermeiras. E nossas primeiras frases não são: Eu amo a minha mãe, nem eu amo meu pai. Mas: Mamãe, a fralda está apertada. A mamadeira está fria...

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Lembrei-me do conto O Imortal. O final reduz o conhecimento e a vida humana a palavras... Esse Borges irônico, mordaz, cáustico, filosófico, amante dos livros de Schopenhauer e dos paradoxos de Zenão, havia escrito um texto de mente positiva, antes de morrer? Isso não seria o paradoxo de Zenón de Elea, mas o Paradoxo de Borges.


Bem longe dos textos positivos (ajudam as pessoas, mas não têm valor do ponto de vista da literatura), Borges sempre foi um aristocrata da palavra. Adorava reformular o mundo. Sua visão não podia ser contida nem limitada no acontecer diário. Em um texto, ele alega que existem dois Borges, um que levanta da cama, toma o café, faz a barba. O outro Borges, ele vê nas enciclopédias, nas revistas literárias. E termina, deixando uma dúvida sobre o leitor: Não sei quem está escrevendo esta página, se eu ou ele.

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O que deslumbra em Borges é sua escrita que nos leva por caminhos imprevisíveis. É sua visão do mundo. Sua linguagem cultíssima, consolidada por muitas horas de leitura e estudos. Borges provoca, desestrutura e mostra ao leitor que o mundo pode ser interpretado de outras maneiras. O poema: "Instantes", de autoria de Nadine Stair, é como um acalanto. Os poemas de Borges são turbilhões. Estéticos. Intensos. Avassaladores. Sacodem nossa sensibilidade.


A literatura era sua matéria prima. Ele foi um pensador. Um criador apaixonado, de visão singular. Os textos de Borges dão asas ao leitor, enquanto os textos de mente positiva tem um enfoque unilateral do mundo.

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Vejamos o poema:


INSTANTES

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Se eu pudesse viver novamente a minha vida,
na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.
Seria mais tolo ainda do que tenho sido, na verdade
bem poucas coisas levaria a sério.
Seria menos higiênico, correria mais riscos, viajaria mais,
contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas,
nadaria em mais rios.
Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos lentilha,
teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.
Eu fui uma dessas pessoas que viveram sensata e produtivamente
cada minuto da sua vida; claro que tive momentos de alegria.
Mas, se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos.
Porque se não sabem, disso é feito a vida, só de momentos.
Não percam o agora.
Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono.
Daria mais voltas na minha rua,
contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças,
se tivesse outra vez uma vida pela frente.
Mas, como sabem, tenho 85 anos e sei que estou morrendo.


As mensagens do poema "Instante" são belíssimas, mas foi escrito por Nadine Stair.

(Continuaremos)


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