Eu tinha 17 ou 18 anos quando decidi fazer um curso de datilografia – ainda era
a época da máquina de escrever. Procurei um lugar perto da minha casa. Ficava
a seis quadras e tinha que passar por uma fábrica com um longo paredão. O
lugar assustava um pouco.
Ao me inscrever, a professora disse que tinha poucas máquinas e no momento
só tinha livre o horário das 8 às 9 horas, mas qualquer vaga que abrisse para as
10 ou 11 horas ela a reservaria para mim. Eu aceitei.
Minha rotina de terças e quintas era acordar, tomar banho, um café rápido e
correr para o instituto de datilografia. Saía de casa às 07h45min, pois gostava de
chegar cedo e pegar a melhor máquina. Era inverno, amanhecia com o céu de
cor cinza escuro. Nesse horário ainda as lojas não haviam aberto e havia poucas
pessoas na rua.
Esse fato não tranquilizava minha mãe, especialmente porque havia sido
noticiado pela televisão que um estuprador atacava mulheres jovens e bonitas
(ele é estuprador, mas não é bobo, tem bom gosto, brincavam as pessoas).
Pois bem, qualquer mãe acha os seus filhos bonitos. E a minha não era
diferente.
Os vizinhos só falavam do estuprador, porque uma moça de um bairro perto
havia sido atacada por ele com uma faca, mas conseguiu escapar graças a um
casal que estava na rua e correu para ajudá-la. Ela disse que o homem tinha
uma parte do rosto coberta por uma echarpe preta e era narigudo.
– Cuide-se! Ordenava a minha mãe quando eu saía de casa. – Fique de olho, de
vez em quando vire-se para observar se não está sendo seguida por alguém.
Eu caminhava pela rua olhando para os lados, às vezes virando a cabeça, e se
alguém se aproximava, eu atravessava a rua. Até que em uma manhã muito
escura, o céu cinza ameaçando chuva, eu caminhava atenta para o lado do muro
da fábrica quando vi de supetão um homem virando a esquina.
Ele vinha na minha direção. Percebi imediatamente a echarpe preta cobrindo-lhe
a boca. E o nariz enorme! Meu coração pulou do peito. Minhas pernas tremiam.
Olhei para atravessar a rua, mas vinham carros em alta velocidade. Eu fiquei
parada sem saber o que fazer. O homem se aproximava rapidamente. Quando
estava a poucos passos de mim, colocou a mão no bolso do paletó. A imagem
de uma faca se formou na minha mente. Soltei um grito e pulei da calçada para
a rua, ficando ao lado do meio-fio. O homem, calmamente, tirou um lenço do
bolso e assoou o enorme nariz.
* Isabel Furini é escritora e poeta premiada, autora de "O livro do escritor".
Orienta oficinas no Solar do Rosário para pessoas que desejam escrever livros de
contos, crônicas e romances. (41) 3225-6232.