Em um julgamento que durou quase 12 horas, os réus Anderson Aparecido dos Santos Pires e Kenny Roger Fioravante Pereira, acusados pelo homicídio qualificado de Scarlety Mastroiany e pela tentativa de homicídio de Bianca Duarte, foram condenados pelos jurados a 12 anos e 6 anos de reclusão, respectivamente.
O Néias - Observatório de Feminicídios de Londrina acompanhou o julgamento, que aconteceu nesta terça-feira (26), e afirma que a transfobia foi um problema presente ao longo das 12 horas.
"Uma mulher morta, outra agredida. O corpo de Scarlety caído na rua, sem vida, não foi suficiente para preservá-la de nova agressão motivada pela transfobia – desta vez, no Tribunal do Júri da Comarca de Londrina. Nem para garantir a Bianca, a vítima sobrevivente, o direito a ter sua voz validada sem precisar discorrer sobre sua estrutura familiar e qualificação profissional", descreve.
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O advogado Mauro Martins, que atuou na defesa do réu Kenny Roger Fioravante Pereira, argumenta que as situações destacadas por Néias aconteceram, sobretudo, devido ao desconhecimento da população geral, o que inclui as autoridades, sobre as palavras que devem ser usadas no tratamento de mulheres transexuais.
"O desrespeito ao nome social e à identidade de gênero da vítima foi potencializado pelo fato de que todas as peças do inquérito policial e, posteriormente, da denúncia do Ministério Público, referenciavam o nome diverso do social em relação à vítima fatal, bem como tratou as vítimas por muitas vezes no masculino", explica.
De acordo com o Observatório, a dignidade de Scarlety foi posta em xeque e violentada durante o julgamento, embora os réus fossem os dois homens acusados pelos crimes.
"A transfobia marcou toda a sessão, com desrespeito ao prenome e identidade de gênero da vítima fatal. Scarlety raramente foi tratada pelo nome social com o qual se identificava, e expressões como “os travestis” - no masculino - foram utilizadas tanto por defensores quanto por acusadores", declara Néias.
Martins, por sua vez, destaca que não houve dolo direto na utilização dos pronomes masculinos. "Pode ser observado também que, em vários momentos, tanto a defesa quanto a acusação, fizeram a utilização da forma correta dos termos e só foi analisada a forma incorreta, atribuindo de forma errônea e equivocada às partes a transfobia", pontua.
"Os termos foram utilizados conforme constavam nas peças processuais de todo o processo desde a sua fase inquisitorial até a sentença de condenação sem qualquer intenção pejorativa. Tudo foi meramente processual."
O advogado sugere, ainda, que o Observatório de Feminicídios e outras entidades que atuam em defesa dos direitos LGBTQIAP+ e de políticas conscientização e informação divulguem em suas redes sociais e demais mídias a forma correta da utilização dos termos e pronomes de tratamentos nas causas que envolvam questões de gênero.
"É importante que essas entidades também se façam presentes para que haja a utilização correta, evitando assim qualquer constrangimento as pessoas."
PROSTITUIÇÃO
Outro aspecto apontado por Néias durante o julgamento foi o trabalho com a prostituição realizado por Scarlety, além de uma suposta agressividade. "Esses foram argumentos utilizados para colocar em xeque a vítima, como se fosse ela ali, no banco dos réus, e não os acusados de agredi-la até a morte", descreve.
"Néias expressa seu repúdio pelo tratamento preconceituoso e desumano dispensado a Scarlety e Bianca durante o julgamento e pede medidas dos órgãos superiores para que seja garantido o respeito à dignidade das vítimas nos tribunais do júri – e, enquanto mulheres trans, esse respeito passa pelo imediato acolhimento ao nome social", diz o Observatório em nota.
O advogado Mauro Martins, por sua vez, defende que sequer abordou a questão da atividade profissional da vítima fatal. "Mesmo assim, enfatizo que as travestis sofrem discriminação no meio social e muitas acabam indo trabalhar com esta atividade."
Segundo Néias, o assassinato de Scarlety foi um transfeminício em sua essência. "Um crime de ódio, motivado pelo desprezo dos condenados pela sua identidade feminina. Desprezo este que seguiu na sessão do júri."
Para o Observatório, o julgamento chegou ao fim, com a justa condenação dos réus, mas a luta por uma justiça feita para preservar os direitos fundamentais das vítimas ainda segue.