Numa tarde de domingo, o securitário George Darío descansava em casa com a mulher, Ana Lúcia, enquanto o filho deles, de 2 anos, brincava sozinho. Sem querer o menino ingeriu um comprimido para hipertensão que os pais haviam esquecido em cima da mesa. "Nós sempre mantivemos a caixa de remédios no alto, para ele não mexer. Em apenas um descuido aconteceu o acidente. A sorte é que moramos perto de um hospital e em 30 minutos foi possível fazer uma lavagem estomacal", lembra George.
Episódios como esse, infelizmente, são bastante comuns. Um levantamento feito pelo Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), coordenado pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica (Icict) da Fiocruz, mostra que em apenas um ano foram registrados no Brasil mais de 80 mil casos de intoxicações e, em quase 25% dos registros, as vítimas tinham até 5 anos.
A resolução da Anvisa que recomenda a venda de medicamentos em quantidades individualizadas evita a manutenção de farmacinhas em casa, que facilitam o acesso das crianças.
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Os medicamentos estão em primeiro lugar no ranking de intoxicação e vitimam, em média, mais de 20 crianças por dia. Quase uma vítima por hora. Entre as medidas apontadas por especialistas e que podem minimizar os riscos de acidentes domésticos, está o cuidado de não estocar medicamentos em casa, após o término do tratamento.
Sancionada em maio de 2006, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 80/2006 prega que farmácias e drogarias ofereçam aos usuários medicamentos em quantidades individualizadas, que atendam apenas às suas necessidades terapêuticas. "Tal medida permite que o consumidor pague somente pelo que precisa e evita a manutenção de farmacinhas em casa, o que facilita o acesso das crianças e pode causar trocas de medicamentos, além do risco do consumo de remédios fora da validade", alerta a coordenadora do Sinitox, Rosany Bochner.
A resolução da Anvisa prevê que as farmácias e drogarias devem receber uma autorização da Agência, que permita a venda fracionada. Mesmo assim, os estabelecimentos devem exigir a apresentação da receita médica com a especificação da quantidade do medicamento, adequada ao tratamento. Além disso, os produtos têm que estar acondicionados em embalagens especiais com a indicação de fracionamento. A bula e informações como fabricante, lote e data de validade devem acompanhar todas as vendas. O fracionamento deixa de fora apenas produtos líquidos ou de venda controlada.
O acesso aos medicamentos fracionáveis e a desinformação da população dificultam o cumprimento da RDC na prática. Nossa reportagem percorreu dez farmácias e drogarias em diferentes bairros do Rio de Janeiro e apenas duas trabalhavam com venda fracionada. O universitário Thiago Navegantes, que comprava remédio após sofrer uma contusão durante uma partida de futebol, ficou surpreso ao saber do recurso do fracionamento. "Não conhecia essa lei, mas a partir de agora, quero comprar remédios fracionados. Já tenho muitas sobras em casa", admite.
Pesquisa alerta sobre armazenamento de remédios
Um estudo realizado na creche da Fiocruz traçou os hábitos de consumo de medicamentos entre famílias com crianças de até 5 anos. Foram encontrados mais de mil medicamentos (1.060) nos domicílios de 41 famílias, uma média de 25 produtos armazenados em cada casa. Em mais da metade dos casos tratava-se de medicamentos de venda livre e três em cada quatro produtos armazenados não estavam em uso.
Os analgésicos e os antigripais são os campeões de consumo. Segundo o questionário aplicado, foram encontradas mais de 90 unidades desses dois tipos de medicamento nas residências. Mais da metade das famílias entrevistadas assumiu fazer auto-medicação e/ou seguir orientação de pessoas não especializadas. A investigação foi feita por Rachel Sarmento, aluna do Programa de Vocação Científica (Provoc) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), e orientado pela pesquisadora Rosany Bochner.
Como eliminar medicamentos em desuso?
Outro método de prevenção é descartar os medicamentos que não estão mais em uso, mas é preciso estar atento na hora de se desfazer dos produtos. "No Brasil, a legislação sugere que os medicamentos líquidos devem ser jogados no vaso sanitário e os comprimidos precisam ser destruídos antes de serem descartados, mas estas medidas são discutíveis", esclarece Neusa Castelo Branco, analista do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) da Fiocruz.
A analista alerta que no Brasil nenhum órgão se responsabiliza pelo recebimento dos remédios. "Nos Estados Unidos, por exemplo, existem postos de recolhimento e os produtos líquidos não podem ser jogados no sanitário para evitar contaminação de rios e baías", completa.
Segundo especialistas, outras medidas podem minimizar os riscos de acidentes, como: manter medicamentos em locais trancados e fora do alcance das mãos e dos olhos da criança, para inibir a curiosidade; não fazer uso de remédios no escuro para evitar trocas e; manter os fármacos em suas embalagens originais.