Com sua viagem Brasil, o papa Bento 16 busca ao mesmo tempo valorizar o país e aumentar seu controle sobre a Igreja brasileira, na opinião de especialistas e religiosos.
A escolha do país como a primeira nação fora da Europa a ser visitada e a canonização do primeiro santo brasileiro seriam sinais de que Bento 16 quer deixar clara a importância que dá ao Brasil.
Porém, o momento da viagem – ele vai participar da abertura da 5ª Conferência Episcopal Latino-americana e do Caribe - demonstra que o papa quer ir além disso.
Bento 16 visita o país num momento delicado para a Igreja da América Latina.
Leia mais:
Justiça de Hong Kong reconhece direitos de moradia e herança para casais do mesmo sexo
Homem que nasceu no dia do naufrágio do Titanic morre aos 112 anos
França pede 20 anos de prisão a marido de Gisèle Pelicot, dopada e estuprada por dezenas de homens
Marta vence primeiro título nos Estados Unidos com Orlando e estadunidenses se rendem à 'rainha'
"Sabemos que a cada dia 8 mil fiéis católicos na América Latina largam a Igreja para andar com os movimentos neopentecostais", diz o escritor e especialista em Vaticano Marco Politi. "É um grave momento de preocupação para o papa, já alarmado com o fato de que a Igreja na Europa é muito secularizada."
Queda
No Brasil, conforme dados do Vaticano de 2005, 84,5% da população brasileira é católica. Em 1980, eram 90,12%.
Outros números, como o do IBGE, em 2000 (73,8% de católicos), ou da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em 2005 (67%), mostram uma situação ainda pior para a Igreja.
"Nós temos no Brasil uma evasão de católicos acentuada nos últimos anos: ao redor de 1% ao ano", diz o cardeal dom Cláudio Hummes, prefeito da Congregação para o Clero. "É importante que a Igreja Católica pergunte a si mesma – e o papa quer ajudar nesta reflexão – o que se deve de fato fazer."
Para dom Cláudio, com sua viagem o papa pretende respaldar a Igreja no Brasil, dizendo que o Vaticano lhe dá apoio, e buscar uma solução à perda de fiéis.
Na opinião do especialista em Vaticano Sandro Magister, Bento 16 não quer apenas prestar apoio, mas dar também um rumo à Igreja no país mais alinhado com a sua própria visão.
Jesus
Em março passado, um dos principais teóricos da Teologia da Libertação, o jesuíta Jon Sobrino, foi punido pelo Vaticano.
Para Sandro Magister, essa punição dará o tom da viagem ao Brasil. "O papa condena, ainda hoje, a influência que a Teologia da Libertação teve e ainda tem no clero e a responsabiliza pela debilidade da Igreja na América Latina", diz o especialista em Vaticano Sandro Magister. "A sentença contra Sobrino antecipa o que o papa ditará à Igreja do continente nesta viagem."
De acordo com Magister, na ótica do Vaticano, o problema e a solução à perda de fiéis gira em torno da figura de Jesus, tema central do livro lançado recentemente por Bento 16.
"Na avaliação do papa, os fiéis mudam para as neopentecostais porque têm sede de um Jesus vivo e verdadeiro", diz. "Ele acredita que a Igreja latino-americana anuncia um Cristo muito frágil. Nos livros de Sobrino, ele é humanizado e politizado, o que desagrada Bento 16."
Influência
Para os especialistas, a decisão do papa de participar da abertura da conferência episcopal é um sinal de como ele pretende reforçar sua mensagem.
O frei Luiz Carlos Susin, responsável pela Secretaria Permanente do 1º e do 2º Fórum Mundial de Teologia e Libertação, disse que a decisão do papa em abrir a 5ª Conferência, em Aparecida, tem motivação intimidatória.
"Estando no início, o papa deverá direcionar fortemente a assembléia", afirma. "Seria aconselhável que ele aparecesse no final e deixasse os bispos trabalharem com suas próprias cabeças."
Em 1979, João Paulo 2º abriu a conferência de Puebla, no México, alertando os bispos contra o que ele chamou de desvios marxistas dos teólogos da libertação. A partir daí, um grande número de prelados e teólogos seguiram a mesma linha, defendendo as correntes mais conservadoras do catolicismo.
De Aparecida, sairão diretrizes para a ação da Igreja nos próximos anos no continente. Deve ser discutido qual o modelo de Igreja deverá ser seguido: o estilo europeu do papa, construído desde cima e para dentro, ou o brasileiro, mais enraizado nos meios populares.
Fonte: BBC Brasil