Por 71 votos a favor e 21 contra, a Câmara dos Deputados do Uruguai aprovou nesta quarta-feira o "matrimônio igualitário" no país, equiparando o casamento entre homossexuais e heterossexuais. O texto ainda precisa ser sancionado pelo presidente José Mujica, que já se pronunciou a favor da medida.
A nova lei determina que "o matrimônio civil é a união permanente de duas pessoas de sexos diferentes ou iguais". O Uruguai é o segundo país na América do Sul a permitir legalmente o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A Argentina foi a primeira da região a aprovar uma lei semelhante, em 2010. Na América Latina, a Cidade do México autorizou casamento entre pessoas do mesmo sexo em 2009.
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal reconheceu em 2011 a união estável entre casais homossexuais. No Estado de São Paulo, desde março cartórios deixaram de exigir autorização judicial para oficializar uniões civis homossexuais. Estados como Bahia, Alagoas, Paraná, Mato Grosso do Sul, Piauí, Sergipe e Ceará têm normativas similares.
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A lei uruguaia aprovada nesta quarta também estabelece outras mudanças no código civil, como o fim da obrigatoriedade de que o sobrenome paterno anteceda o materno no registro dos nomes dos filhos de um casal.
Tanto no caso de uniões heterossexuais como homossexuais, a nova lei determina que a ordem dos sobrenomes dos filhos obedece somente à vontade de seus pais. Foram equiparados, ainda, deveres e direitos quanto a situações como divórcio, pagamento de pensão alimentícia, filiação e separação de bens.
"Com essa lei, o que se reconhece é o olhar de uma sociedade heterogênea, onde não se determina quais corpos são os corretos, onde não há uma leitura homogeneizante", disse à BBC Brasil a advogada Michelle Suárez, redatora da lei e integrante do grupo Ovelhas Negras, ONG de defesa dos direitos da comunidade LGBT no Uruguai.
Na semana passada, o projeto passou pelo Senado com ampla maioria (23 votos a favor e 8 contra). Apesar de já ter sido votado favoravelmente pela Câmara no ano passado (por 81 votos a 6), teve de voltar aos deputados por causa de modificações feitas pelos senadores.
Aborto
Em comunicado difundido nesta semana, o Conselho Permanente da Conferência Episcopal do Uruguai afirmou que, assim como o aborto (descriminalizado no país há quase seis meses), a lei de matrimônio igualitário seria "um novo retrocesso" para o ordenamento jurídico do país, "que fundou sua existência no respeito e na defesa da instituição familiar, base constitucional da nossa sociedade".
Os bispos citaram também declarações do então cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio -hoje papa Francisco- quando projeto de lei semelhante estava prestes a ser votado na Argentina. "Está em jogo uma negação frontal à lei de Deus", escreveu, em 22 de junho de 2010.
Em outubro do ano passado, o Uruguai aprovou lei que determina a legalidade da interrupção voluntária da gravidez até a 12ª semana de gestação.
Também estabelece que a mulher que deseja abortar deve passar por um médico e por uma comissão formada por psicólogos, ginecologistas e assistentes sociais para receber assessoria sobre a sua decisão e para que passe posteriormente a uma fase de "reflexão" de cinco dias, antes de realizar o procedimento em centros de saúde públicos ou particulares.
Em 2008, um projeto semelhante foi vetado pelo então presidente Tabaré Vázquez, o primeiro mandatário de esquerda a ocupar a Presidência do país. No ano passado, o aborto voltou novamente a ser discutido, e o atual presidente uruguaio, José Mujica, avisou que não iria vetar a decisão que saísse do Congresso.
Maconha em discussão
Além do aborto e do matrimônio gay, a sociedade uruguaia também vem discutindo a legalização da venda e do autocultivo da maconha no país. O consumo pessoal não é penalizado.
Uma das propostas que mais ganhou atenção dentro e fora do país, a de que o Estado regule a produção e a venda da cannabis, partiu do próprio Mujica. O projeto está à espera de votação.
Entre outras disposições, a proposta estabelece a criação de um cartão com códigos pessoais para que os consumidores da droga possam comprá-la do Estado, e que o governo possa, dessa maneira, controlar a comercialização. O Estado venderia cerca de 40 gramas de maconha a 700 pesos (aproximadamente R$ 70).
A expectativa da Frente Ampla, que precisa de maioria absoluta dentro da coalizão para que a proposta passe na Câmara dos Deputados e no Senado, é conseguir adesão total de seus parlamentares para que seja aprovada ainda este ano.
Para Suárez, a conjunção de "um ambiente político favorável" e da existência de grupos que apresentam "demandas com propostas amadurecidas" está fazendo com que o Uruguai "avance significativamente em matéria de direitos civis".