Vinte e duas favelas, apenas um hospital, nenhum cinema, a mais grave poluição atmosférica do Paraná. Ao mesmo tempo, a segunda maior arrecadação de impostos do Estado. Araucária (Região Metropolitana da Curitiba) é o maior exemplo de que um município rico nem sempre consegue transformar o dinheiro público que recebe em melhoria da qualidade de vida de sua população.
Neste ano, Araucária vai receber, somente de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), R$ 77,8 milhões. Esse valor representa metade do montante do ICMS de Curitiba, o dobro do de Londrina e o triplo do de Maringá - respectivamente os três municípios mais populosos do Estado. No ranking populacional, Araucária é apenas o 14º, com 94 mil habitantes.
A razão da fabulosa arrecadação do município -e também de boa parte de seus problemas sociais e ambientais- é a Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), pertencente à Petrobras. Quinta maior refinaria do País, num universo de dez, a Repar se instalou em Araucária há quase 24 anos, no final de maio de 1977. Em poucos anos, o município se consolidou como o maior pólo industrial do Paraná. Hoje, tem 230 indústrias, pelo menos 10% delas de grande porte.
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Até a instalação da Repar, Araucária era um município com cerca de 30 mil habitantes e a economia calcada na agropecuária. Em 20 anos, sua população triplicou. Hoje, tem a sexta maior população entre os 25 municípios da Região Metropolitana de Curitiba (RMC). Seu índice anual de crescimento populacional é de 5,6%, o 10º do Estado.
Apesar da grande arrecadação, os investimentos públicos em infra-estrutura e combate à pobreza não acompanharam a explosão populacional. Araucária tem hoje 22 favelas, onde moram 2 mil pessoas (2% de sua população). Apenas 30% das moradias são servidas por esgoto tratado e a proporção de área verde por habitante na zona urbana é de 6,4 metros quadrados. Em Curitiba, essa proporção chega a 50,2 metros por habitante.
"Para a cidade só vieram os trabalhadores de baixo poder aquisitivo. Os qualificados preferiram Curitiba, que têm melhor qualidade de vida", afirma o presidente da Associação Comercial, Industrial e Agropecuária de Araucária (Aciaa), o comerciante Paulo Afonso Sobania.
Ao longo dessas duas décadas e meia, os benefícios da fartura tributária pouco chegaram à saúde. Araucária tem apenas um hospital -filantrópico, mantido por uma congregação religiosa. Dos 100 leitos do Hospital São Vicente de Paulo, 60% são destinados por lei a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). Faltam até equipamentos básicos, como raio x, o que obriga boa parte dos moradores a buscar atendimento em Curitiba. Em 1999, a mortalidade infantil atingiu 22,79 por mil nascidos vivos. É o sétimo pior índice na RMC, mais próximo da miserável Adrianópolis (29,85 por mil) do que da rica Curitiba (14,53).
Os índices de violência também são altos. De janeiro até a semana passada, a Delegacia de Polícia local registrou quatro homicídios e dois latrocínios (assassinato com o objetivo de roubo). Em Colombo, município da RMC com 183,3 mil habitantes e que foi obrigado a adotar o toque de recolher à noite para diminuir a criminalidade, os números foram menores no mesmo período: quatro homicídios e um latrocínio.
"Araucária tem o quarto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e também o quarto melhor Índice de Condição de Vida (ICV) da Região Metropolitana. Não é uma situação catastrófica, mas não está tão bem quanto deveria. Pela sua arrecadação, Araucária deveria estar, pelo menos, em segundo lugar", analisa a arquiteta Zulma Schussel, diretora-técnica da Coordenadoria da Região Metropolitana de Curitiba (Comec), entidade criada para planejar e desenvolver a região. O IDH é medido pela Organização das Nações Unidas (ONU) e o ICV, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nos dois quesitos, as primeiras colocações na RMC são ocupadas por Curitiba, São José dos Pinhais e Piraquara.
Na avaliação de Zulma, Araucária destina uma parcela considerável de seu orçamento a educação, saúde, habitação e saneamento. Em 1998, esse repasse atingiu 51% do total. "Não dá para dizer que foi negligência das administrações municipais. Mas o processo de metropolização que toda a região sofreu acabou respingando em Araucária", pondera.
Entre quarta e sexta-feira da semana passada, a Folha tentou agendar uma entrevista com o prefeito, Albanor Gomes (PSDB). Segundo sua assessoria, ele estava ocupado e não poderia atender a reportagem.
Para os moradores do Jardim Alvorada, viver no segundo maior pólo arrecadador de ICMS do Paraná não traz qualquer benefício. Sem asfalto, com ruas mal iluminadas, o bairro é vizinho à Companhia de Papel e Celulose do Paraná (Cocelpa), indústria que só continua operando graças a uma decisão judicial. Os compostos reduzidos de enxofre, originados da produção de celulose, deixam um constante cheiro de ovo podre no ar.
"Já nos acostumamos a viver com portas e janelas fechadas para suportar a carniça", conta o vendedor autônomo Wilson Rodrigues, 30 anos. Ele, a mulher e os três filhos sofrem de insuficiência respiratória e rinite alérgica. O alambrado do campo de areia onde o desempregado Marco Antonio Russo, 25 anos, joga futebol, está sendo corroído pela ferrugem.
Em 1998, os postos de saúde do município fizeram 40,5 mil inalações, quase um atendimento para cada dois habitantes. Entre 1982 e 1985, foram registrados seis casos de nascimento de bebês com anencefalia (ausência de cérebro) e dois de hidroencefalia (excesso de líquido na cabeça).
Para o Instituto Ambiental do Paraná (IAP), que possui três estações medidoras de poluição atmosférica em Araucária, os índices estariam abaixo do considerado aceitável por normas federais. A engenheira química Ana Cecília Nowacki disse que o mau cheiro causa desconforto, mas não problemas à saúde.