A recente valorização do Real frente ao dólar norte-americano começa a incomodar outros setores que não apenas o exportador. Na última segunda-feira (06/dez), o BC anunciou a retomada dos leilões de compra de divisas para dar prosseguimento ao programa de acumulação de reservas anunciado em janeiro deste ano, última atuação do BC no mercado cambial.
No último dia 09/dez, as reservas internacionais do país fecharam em US$ 50,635 bilhões, incluindo recursos do FMI.
A ação do BC foi anunciada exatamente logo após a taxa de câmbio ultrapassar a barreira de R$ 2,7/US$, sendo cotada a R$ 2,697/US$, a menor cotação desde 18 de junho de 2002 (R$ 2,670/US$).
O BC atuou no mercado cambial na segunda-feira pagando R$ 2,715/US$. No dia 07, o BC voltou a atuar no mercado comprando divisas quando a cotação chegou a R$ 2,713/US$ e pagando US$ 2,722/US$. Ou seja, o suspiro dado pela taxa de câmbio na segunda-feira não havia se sustentado.
A medida do BC de comprar divisas para elevar o nível de suas reservas internacionais é legítima e, ainda, defendida tanto por seu presidente, Henrique Meirelles, quanto por seu diretor de política econômica, Afonso Bevilaqua. Entretanto, a defesa de que essa ação é apenas para acumular reservas é um tanto duvidosa. De fato, é desejável que o país tenha o maior nível de reservas possível, pois isso lhe dá maior resistência contra momentos de turbulência, sobretudo quando gerados por instabilidades no mercado internacional.
A dúvida levantada diz respeito justamente à defesa de que a ação do BC é para "acumular reservas" e não para sustentar a taxa de câmbio acima de em um determinado patamar, provavelmente R$ 2,7/US$. Neste sentido, vale observar que a atual ação do BC e aquela ocorrida em janeiro foram feitas em situações muito distintas.
No início deste ano havia a perspectiva de continuação do processo de abrandamento da política monetária, iniciado em junho de 2003. O mercado esperava uma atuação pró-ativa do BC na direção de revigorar a atividade econômica dado o baixo nível de crescimento do PIB em 2003 (0,55% após revisão). Portanto, ao comprar divisas, não havia a necessidade de enxugar os reais trocados pelos dólares via emissão de título público, e mesmo que ocorresse a emissão de título seu custo financeiro era decrescente. Vale lembrar, ainda, que naquele momento era natural que o BC adotasse o programa de recomposição de reservas visto que a taxa de câmbio estava em R$ 2,85/US$ – o menor nível desde junho de 2002 (R$ 2,71/US$) – e precisava aproveitar o momento positivo do cenário internacional.
Já no momento atual, as condições para a atuação do BC no mercado cambial são totalmente desfavoráveis. Primeiro porque houve a esperada recuperação da economia, gerando recuperação do emprego e da renda. Ao contrário, segundo o BC, o risco hoje é de descontrole da inflação, portanto, em setembro deste ano ele retornou o processo de elevação da taxa de juros.
Em segundo lugar, dada a necessidade de controle da inflação, a compra de divisas acaba elevando o custo financeiro das operações com emissão de títulos, pois, ao trocar os dólares por reais há, hoje, a necessidade de retirar esses reais de circulação para não gerar novos focos de pressão inflacionária (o que desviaria a trajetória de inflação da meta prevista para este ano: 5,1%).
Para tanto, o BC emite títulos e enxuga essa liquidez do mercado, pagando caro pelos papéis dada a expectativa de alta para a taxa de juro (Selic), sobrecarregando o custo financeiro de gestão da dívida pública.
Sabe-se que o atual movimento de apreciação do câmbio está atrelado muito mais ao movimento internacional de moedas, ocasionado principalmente pelo baixo nível das taxas de juros nas economias centrais, do que aos fatores determinantes da formação de seu preço (oferta e demanda). Logo, acredita-se que as atuações do BC vão continuar fazendo efeito sobre a taxa de câmbio, mas certamente o cessar desse processo fará com que o Real volte a se apreciar.
Vale lembrar que o mercado de moedas é hoje um dos ativos que dá ao investidor global o maior retorno no menor período de tempo, uma vez que os demais ativos financeiros estão já em níveis elevados como, por exemplo, bolsa de valores e títulos das dívidas soberanas dos países emergentes. Ou ainda, a pouca atratividade de retorno como é o caso do mercado de títulos do tesouro norte-americano (treasuries).
Portanto, a depreciação das moedas frente ao dólar norte-americano está condicionada à elevação da taxa de juros nos EUA de forma mais acentuada. Porém, acredita-se que essa aceleração no processo de aumento de juros não deve ocorrer tão cedo, talvez somente em meados de 2005, pois é quando se espera que o mercado de trabalho dos EUA já tenha recuperado grande parte de suas perdas acumuladas no período de baixo crescimento (2001-2003).
Neste sentido, na última quarta-feira o Euro e o Iene apresentaram forte desvalorização frente a moeda norte-americana em decorrência da acentuada alta dos preços dos treasuries ocasionada pelo leilão primário de US$ 15 bilhões em títulos de 5 anos. Com relação ao Real, também houve desvalorização da moeda brasileira frente ao dólar mesmo em um dia sem atuação do BC no mercado de divisas, o que reforça a tese de que os fatores do mercado internacional se sobressaem aos internos.
A ocorrência de outros dois eventos no mercado internacional ratifica a tese da variação cambial estar relacionada a fatores externos. O primeiro evento diz respeito a divulgação da inflação ao produtor nos EUA (PPI) referente ao mês de novembro. O indicador apontou alta de 0,5% ante projeções de mercado de 0,1%. O resultado do PPI acumulado em 12 meses (5%) é o maior em 14 anos. O segundo evento refere-se a divulgação do indicador preliminar de dezembro do índice de sentimento dos consumidores norte-americanos, calculado pela Universidade de Michigan. O índice subiu para 95,7 pontos contra 92,8 pontos apurados em novembro, ficando acima das expectativas média dos analistas (93,2 pontos).
Como ambos eventos estão diretamente relacionados à questão central da política monetária do Fed (banco central norte-americano), portanto sugerem que em algum momento o Fed vai precisar acelerar a alta, o mercado de títulos do tesouro (treeasuries) apurou melhora marginal, em contrapartida as bolsas de valores apresentaram queda. Com relação às moedas, houve ligeira apreciação frente ao dólar, o que significa que apesar de fazer algum efeito sobre os mercados, os analistas acreditam que essas informações (inflação e índice de confiança) são insuficientes para que o Fed decida elevar a taxa de juros além do esperado (0,25 p.p.) já na reunião do dia 14.
No entanto, vale destacar que a ação do BC no mercado de divisas colabora para a desvalorização da moeda no curto prazo, visto que há um desmonte do grande volume de posições vendidas em câmbio para não perder a oportunidade de realizar lucros.
Enfim, não acreditamos que a recente desvalorização do Real, passando de R$ 2,70 para R$ 2,78/US$, motivada pela ação do BC não é sustentável. Ainda, diante do cenário traçado anteriormente as atuações do BC no mercado de divisas alegando que tem o objetivo de acumular reservas torna-se um tanto intrigante.
Créditos: Alexsandro Agostini Barbosa e Dernizo Richter Caron são economistas da GRC Visão