A política econômica vem sendo conduzida de forma equivocada e corre sério risco de insucesso. Os juros altos, apesar de estarem no centro das discussões econômicas atuais, não são o principal problema da economia brasileira, mas sim apenas um de seus sintomas. Da mesma forma, é imaturo atribuir à equipe econômica atual o demérito sobre o modelo adotado, sobre a qual cabem acusações de perpetuação de políticas inócuas sob a ótica da geração de emprego e crescimento econômico.
Há dez anos a política econômica vem sendo pautada na elevação dos juros como forma de atração de capitais e de controle de inflação. Trazido para o âmbito real da economia, juros altos significam demanda fraca, o que, por sua vez, traduz-se em desemprego.
De 1994 a 1998 crises em economias emergentes trouxeram incertezas ao cenário financeiro mundial, levando a uma maior aversão ao risco por parte dos capitais internacionais que, por sua vez, reagiam às crises saindo de países em desenvolvimento. Para evitar essa saída em massa de capitais e assegurar o câmbio fixo, o Banco Central elevava os juros e vendia reservas a cada nova crise. Nessa época, o déficit em transações correntes acentuava a necessidade da entrada de dólares pela conta capital.
Em 1999 o regime mudou e com o abandono do câmbio fixo o sistema de metas de inflação passou a ser utilizado como nova âncora para a manutenção da estabilidade de preços. Apesar de não se precisar manter o câmbio fixo, permanecia necessário atrair capitais para financiar o déficit em transações correntes, via juros elevados.
O que se percebe, portanto, é que anos de vulnerabilidade externa acentuada provocaram a manutenção dos juros em patamares elevados, seja como instrumento de manutenção do câmbio fixo entre 1994 e 1998 - e, portanto, controle da inflação - ou como instrumento direto de controle da inflação a partir de 1999.
Dois grandes ônus surgiram como resultado dessa política. O primeiro e mais nítido à opinião pública é o baixo nível de crescimento econômico no período, comparativamente à média mundial e dos emergentes. O segundo, menos visível, mas potencialmente perigoso, foi o endividamento do setor público. A política econômica adotada não coibiu - e continua não coibindo - irresponsabilidade fiscal. Isso foi vislumbrado pelo FMI, que exigiu em seus acordos superávits primários do setor público brasileiro. A medida, no entanto, mostrou-se insuficiente frente aos expressivos gastos com juros. O resultado foi um crescimento da dívida pública de 32,6% em dezembro de 1993 para 57,4% em março de 2004. Mais preocupante que a evolução da dívida, no entanto, é o ceticismo reinventado das autoridades monetárias, que resistem até mesmo aos números e fatos, e insistem em bradar que a política fiscal é responsável.
O crescimento da dívida pública incrementou o ciclo vicioso da economia brasileira. Os juros altos exigidos pelo modelo deprimem a atividade econômica e promovem a elevação da dívida pública. O tamanho da dívida perpetua a elevada necessidade de financiamento do setor público, já que requer juros altos para ser financiada. No Brasil, portanto, o endividamento público é tão grande que inverteu o papel do Estado. De possível estimulador da economia, o Estado virou seu cliente (ou seria um sócio parasita?), sugando seus recursos e, portanto, inviabilizando seu crescimento (crowding out).
Passados dez anos, o remédio virou doença. Em termos de contas externas, se antes os juros altos eram utilizados para atrair poupança externa e financiar o déficit em transações correntes, hoje eles têm um impacto negativo sobre o balanço de pagamentos, tendo em vista a saída de recursos com o pagamento de juros da dívida.
O bom desempenho da conta corrente em 2003 amenizou essa necessidade de poupança externa. Contudo, a fragilidade desse indicador reside em sua composição. Isso porque, muito do bom resultado provém de preços de commodities historicamente altos e de um fraco nível de atividade interna, o que reduz as importações e contribui positivamente para o resultado. O que se percebeu, ao longo de 2003, foi uma melhora conjuntural nos indicadores brasileiros pautada em duas premissas que já estão deixando de ser realidade: juros baixos nos EUA e demanda crescente na China.
O ciclo de afrouxamento da política monetária nos EUA terminou e agora se discute o mês no qual os juros começarão a subir. Isso tem impacto em todos os mercados emergentes e uma amostra do que está por vir já pode ser observada no comportamento recente do risco-país, da Bolsa de Valores e nos títulos da dívida externa.
Além desse impacto negativo, a China anunciou medidas para reduzir o ritmo de crescimento de sua economia, tendo em vista o controle da inflação. Como a queda da demanda chinesa deve ser marginal (o Governo procura diminuir a taxa de crescimento média de cerca de 9% para 7% a.a.), ela deve contribuir negativamente para o preço das commodities graças muito mais ao efeito de desalavancagem dos investidores que da queda da demanda em si.
Não por coincidência, há meses a Global Invest vem alertando em seus relatórios e palestras que os dois principais riscos para o cenário econômico eram China e Estados Unidos e o despreparo da economia brasileira frente a esses eventos.
Outro pecado capital é criar expectativas diante da opinião pública de que as políticas econômicas atuais são a semente de bons frutos no futuro. O fato é que a orientação econômica brasileira tem sido, há anos, para a estabilização e não para o crescimento. Quando o baixo crescimento é mantido por muito tempo, pode prejudicar a própria estabilidade. Cabe perguntar até quando a opinião pública aceitará passivamente esses resultados. Se por um lado esse tipo de preocupação não perturba o cenário político brasileiro há vários anos, também há um tempo considerável não se depositava tamanha esperança em um governo, o que torna o cenário potencialmente preocupante em termos de opinião pública, já que a esperança não correspondida é propulsora do descontentamento e da desaprovação. A situação social já é crítica - com um grau de informalidade imensurável, pobreza e violência – e se agrava à medida que o endividamento do Estado o imobiliza e impossibilita a atuação do setor privado.
Que não se confunda essa visão com uma visão de ruptura. Muito pelo contrário. É justamente para evitar que se chegue a esse ponto que a economia brasileira precisa não apenas desonerar o setor produtivo (ao contrário do que tem ocorrido) como também criar condições para o investimento - tanto de estabilidade econômica quanto de crédito. Isso não será possível sem um plano nacional de longo prazo, muito menos sem coesão política.
Há dez anos a política econômica vem sendo pautada na elevação dos juros como forma de atração de capitais e de controle de inflação. Trazido para o âmbito real da economia, juros altos significam demanda fraca, o que, por sua vez, traduz-se em desemprego.
De 1994 a 1998 crises em economias emergentes trouxeram incertezas ao cenário financeiro mundial, levando a uma maior aversão ao risco por parte dos capitais internacionais que, por sua vez, reagiam às crises saindo de países em desenvolvimento. Para evitar essa saída em massa de capitais e assegurar o câmbio fixo, o Banco Central elevava os juros e vendia reservas a cada nova crise. Nessa época, o déficit em transações correntes acentuava a necessidade da entrada de dólares pela conta capital.
Em 1999 o regime mudou e com o abandono do câmbio fixo o sistema de metas de inflação passou a ser utilizado como nova âncora para a manutenção da estabilidade de preços. Apesar de não se precisar manter o câmbio fixo, permanecia necessário atrair capitais para financiar o déficit em transações correntes, via juros elevados.
O que se percebe, portanto, é que anos de vulnerabilidade externa acentuada provocaram a manutenção dos juros em patamares elevados, seja como instrumento de manutenção do câmbio fixo entre 1994 e 1998 - e, portanto, controle da inflação - ou como instrumento direto de controle da inflação a partir de 1999.
Dois grandes ônus surgiram como resultado dessa política. O primeiro e mais nítido à opinião pública é o baixo nível de crescimento econômico no período, comparativamente à média mundial e dos emergentes. O segundo, menos visível, mas potencialmente perigoso, foi o endividamento do setor público. A política econômica adotada não coibiu - e continua não coibindo - irresponsabilidade fiscal. Isso foi vislumbrado pelo FMI, que exigiu em seus acordos superávits primários do setor público brasileiro. A medida, no entanto, mostrou-se insuficiente frente aos expressivos gastos com juros. O resultado foi um crescimento da dívida pública de 32,6% em dezembro de 1993 para 57,4% em março de 2004. Mais preocupante que a evolução da dívida, no entanto, é o ceticismo reinventado das autoridades monetárias, que resistem até mesmo aos números e fatos, e insistem em bradar que a política fiscal é responsável.
O crescimento da dívida pública incrementou o ciclo vicioso da economia brasileira. Os juros altos exigidos pelo modelo deprimem a atividade econômica e promovem a elevação da dívida pública. O tamanho da dívida perpetua a elevada necessidade de financiamento do setor público, já que requer juros altos para ser financiada. No Brasil, portanto, o endividamento público é tão grande que inverteu o papel do Estado. De possível estimulador da economia, o Estado virou seu cliente (ou seria um sócio parasita?), sugando seus recursos e, portanto, inviabilizando seu crescimento (crowding out).
Passados dez anos, o remédio virou doença. Em termos de contas externas, se antes os juros altos eram utilizados para atrair poupança externa e financiar o déficit em transações correntes, hoje eles têm um impacto negativo sobre o balanço de pagamentos, tendo em vista a saída de recursos com o pagamento de juros da dívida.
O bom desempenho da conta corrente em 2003 amenizou essa necessidade de poupança externa. Contudo, a fragilidade desse indicador reside em sua composição. Isso porque, muito do bom resultado provém de preços de commodities historicamente altos e de um fraco nível de atividade interna, o que reduz as importações e contribui positivamente para o resultado. O que se percebeu, ao longo de 2003, foi uma melhora conjuntural nos indicadores brasileiros pautada em duas premissas que já estão deixando de ser realidade: juros baixos nos EUA e demanda crescente na China.
O ciclo de afrouxamento da política monetária nos EUA terminou e agora se discute o mês no qual os juros começarão a subir. Isso tem impacto em todos os mercados emergentes e uma amostra do que está por vir já pode ser observada no comportamento recente do risco-país, da Bolsa de Valores e nos títulos da dívida externa.
Além desse impacto negativo, a China anunciou medidas para reduzir o ritmo de crescimento de sua economia, tendo em vista o controle da inflação. Como a queda da demanda chinesa deve ser marginal (o Governo procura diminuir a taxa de crescimento média de cerca de 9% para 7% a.a.), ela deve contribuir negativamente para o preço das commodities graças muito mais ao efeito de desalavancagem dos investidores que da queda da demanda em si.
Não por coincidência, há meses a Global Invest vem alertando em seus relatórios e palestras que os dois principais riscos para o cenário econômico eram China e Estados Unidos e o despreparo da economia brasileira frente a esses eventos.
Outro pecado capital é criar expectativas diante da opinião pública de que as políticas econômicas atuais são a semente de bons frutos no futuro. O fato é que a orientação econômica brasileira tem sido, há anos, para a estabilização e não para o crescimento. Quando o baixo crescimento é mantido por muito tempo, pode prejudicar a própria estabilidade. Cabe perguntar até quando a opinião pública aceitará passivamente esses resultados. Se por um lado esse tipo de preocupação não perturba o cenário político brasileiro há vários anos, também há um tempo considerável não se depositava tamanha esperança em um governo, o que torna o cenário potencialmente preocupante em termos de opinião pública, já que a esperança não correspondida é propulsora do descontentamento e da desaprovação. A situação social já é crítica - com um grau de informalidade imensurável, pobreza e violência – e se agrava à medida que o endividamento do Estado o imobiliza e impossibilita a atuação do setor privado.
Que não se confunda essa visão com uma visão de ruptura. Muito pelo contrário. É justamente para evitar que se chegue a esse ponto que a economia brasileira precisa não apenas desonerar o setor produtivo (ao contrário do que tem ocorrido) como também criar condições para o investimento - tanto de estabilidade econômica quanto de crédito. Isso não será possível sem um plano nacional de longo prazo, muito menos sem coesão política.