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"Cachalote": Difícil, não linear e intrigante

26 jul 2010 às 15:42

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Cachalote, badalado lançamento do escritor Daniel Galera e do quadrinhista Rafael Coutinho, desafia os leitores de quadrinhos - Reprodução
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Cachalote é o nome do maior animal com dentes existente no planeta, uma baleia que pode chegar até 18 metros de comprimento. É também o nome de um álbum escrito pelo gaúcho Daniel Galera e ilustrado pelo paulistano Rafael Coutinho. O lançamento, uma produção ousada para mercado nacional, é da Companhia das Letras, pelo selo Quadrinhos na Cia., e vai intrigar o leitor das revistas convencionais normalmente publicadas nas bancas.

Bem, antes de mais nada, é preciso advertir que ''Cachalote'' não é uma leitura fácil e nem muito divertida. Nem se propõe a isso. O álbum é denso e as várias camadas de sua história dificilmente se diluirão com facilidade em uma primeira leitura. Por isso, se o leitor pretende uma coisa sem compromisso, como uma bela sequência de ação dos coloridos Vingadores ou da Liga da Justiça, é melhor se afastar.

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Todo bom roteirista sabe que a regra número da narrativa é contar histórias sobre um personagem que muda devido a algum conflito. Aqui, essa regra é propositalmente jogada no lixo. ''Os personagens que estão ali não vão mudar, não pelo menos no álbum. Alguma coisa aconteceu ou vai acontecer com eles depois'', despistou o escritor Daniel Galera, em recente lançamento em Curitiba.

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E o jogo é justamente esse: é acompanhar os personagens, com curiosidade sobre o que vai acontecer, mas já sabendo que, no fundo, ninguém sabe para onde vão, qual será o destino de todos. O importante é saber que Galera, com a pouca, porém intensa, experiência como literato, ama cada uma das suas criações. É difícil encontrar um protagonista e até mesmo julgar os coadjuvantes, pois todos têm uma construção tão rica e única que os torna verossímeis a ponto de serem inesquecíveis.

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O decadente ator chinês Xu, acusado de participar do suicídio de um colega. O baladeiro Ricardo Aurélio, que é expulso de casa e se vê sozinho na Europa. O escultor Hermes, recluso e ranzinza, convidado a participar de um filme em que vive um papel próximo de sua própria vida. O escultor Vitório, que se vê em dificuldade de alimentar sua tara por mulheres amarradas ao se apaixonar por alguém tão frágil. E o escritor Túlio, deprimido, em seus encontros com sua ex-mulher, Vita, com quem tem uma pequena filha. Esse é o mosaico de ''Cachalote''.


Um mosaico que não se mostra fácil porque a narrativa, composta ao lado de Coutinho, tem cortes abruptos, começa devagar e silenciosa, e aos poucos vai ganhando velocidade, até a segunda parte do volume. O desenhista é bastante responsável pelas atmosferas, leva a momentos de introspecção e agitação, seja em uma piscina de onde sai uma cachalote, em um trecho da rua Augusta, em um boteco da Vila Madalena ou em um local qualquer da Europa. Tudo em traços precisos e sofisticados, baseados nas suaves e criativas linhas franco-belgas, sem hachuras ou cores.

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A produção se mostra ousada para o mercado nacional porque normalmente esse é o tipo de quadrinho que o brasileiro importa, que as editoras tupiniquins trazem de fora para imprimir aqui. São quase 300 páginas em um volume com papel couché, em preto-e-branco, de uma história autoral e realizada em dois anos. Algo que não aconteceria por aqui há dez anos e que, graças a esse material, que agora vai fazer o caminho inverso - será publicado lá fora em breve -, pode ser realizado com maior frequência em nossa cena.


''Cachalote'', uma produção dificilmente desenvolvida por uma editora brasileira, fala de várias pessoas, de seus conflitos, de seus destinos não resolvidos, de finais não definidos. Ou seja, não promete nenhuma conclusão e não responde a nenhuma pergunta. Apenas te leva a lugares intrigantes, onde você pode refletir sobre várias coisas a partir de personagens curiosos e solitários, como em um filme do David Lynch ou numa música do Radiohead. E, só por isso, é um dos grandes lançamentos do ano.

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CLÁSSICOS EM HQs
Demorou mas as editoras nacionais finalmente se interessaram pelo poder didático da linguagem da nona arte. Além de um nicho rentável, a dobradinha entre quadrinhos e literatura tem sido uma boa ferramenta educacional nas salas de aula. E a estreante no mercado, o selo Farol HQ, da DCL (Difusão Cultural do Livro), coloca no mercado adaptações de clássicos como ''Moby Dick'', ''Viagem ao Centro da Terra'' e ''Alice no País das Maravilhas''.


''Nossa intenção é ser um selo de quadrinhos nacionais e importados. Nosso principal direcionamento será de adaptações de clássicos, para serem usados em sala de aula como mais um gênero de trabalho. Queremos aproximar os jovens da literatura clássica, por meio de uma linguagem dinâmica, mas não menos rica e trabalhada'', explica Daniela Padilha, editora de literatura da DCL.

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As escolhas da DCL vão de encontro com as palavras de Daniela. Ao invés de apostar simplesmente em escolhas oportunistas, em época em que os quadrinhos estão mais populares devido às bem-sucedidas adaptações cinematográficas, a empresa foi procurar títulos na pequena, porém competente, editora britânica Campfire.


Com uma linha editorial bem definida, o carro-chefe da Campfire são as adaptações de clássicos, no entanto, a editora também dirige artistas para versões de histórias mitológicas, biografias de personalidades e um ou outro título inédito. O catálogo de clássicos é bastante variado e soma 32 lançamentos, com obras de Julio Verne, Herman Melville, Lewis Carrol, Mark Twain, Mary Shelley, H.G. Wells, entre outros.

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Os primeiros lançamentos do selo Farol HQ são ''Viagem ao Centro da Terra'' e ''Vinte Mil Léguas Submarinas'', ambos de Julio Verne; ''Moby Dick'', de Herman Melville; e ''Alice no País das Maravilhas'', de Lewis Carrol. As adaptações são feitas por escritores experientes na área da literatura, a exemplo de Lance Stahberg, e ilustradores familiarizados com livros didáticos e a linguagem da nona arte, como Lalit Kumar Singh e Rajesh Nagulakonda.


Todas as adaptações vêm com curiosidades sobre a obra original e a vida do autor, assim como dicas de como encontrar o livro e mais informações na internet. Em Moby Dick, por exemplo, há comentários sobre caça às baleias e explicações sobre a estrutura dos baleeiros, entre outras coisas. A intenção da Farol HQ é lançar dez clássicos revisitados até o final do ano.

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QUADRINHOS SACANAS
Grande parte das pessoas que hoje têm acesso a conteúdo adulto e imagens eróticas via internet somente com o clique do mouse não imaginam como era difícil encontrar esse material impresso nos anos 50. Fica difícil imaginar mesmo. E por essa razão a nova editora de quadrinhos do mercado, a Peixe Grande, resolveu fazer um resgate histórico das ''revistinhas de sacanagem'' publicadas daquela época até 1980. A caixa ''Quadrinhos Sacanas'' conta com quatro volumes e chegou às prateleiras recentemente.


Os ''quadrinhos de sacanagem'' foram catalisadores da iniciação sexual de muitos jovens em período em que muita coisa era tabu. Quando as primeiras impressões foram publicadas, as questões relacionadas ao sexo ainda sequer tinham passado por grandes discussões. As primeiras edições disponíveis por aqui vinham da França no começo do século XIX e o início das produções tupiniquins data a partir dos anos 50, por influência das ''tijuana bibles'', publicações mexicanas criadas por norte-americanos.


Muitos têm como referência no gênero Carlos Zéfiro, que motivou outros artistas amadores a publicarem o mesmo formato de pornografia: sexo explícito com ''tramas'' esdrúxulas, desenhos pobres e arte-final de baixa qualidade, em pequenas gráficas, com cerca de 32 páginas e tiragem entre 2 mil e 5 mil exemplares.


Mesmo com conteúdo que hoje seria considerado extremamente ofensivo -machista e repleto de piadas e conteúdo de mau gosto-, esses ''catecismos'' eram a única válvula de escape sexual para muitos jovens e por isso fizeram bastante sucesso. Só deixaram de vender e caíram no ostracismo com a evolução do nível das publicações do gênero e, em especial, com a chegada das fotonovelas eróticas, a partir dos anos 70.


A editora Peixe Grande, nova no mercado, resolveu então organizar, por meio do especialista Toninho Mendes, várias dessas histórias, publicadas por autores anônimos no período. O resultado é um trabalho que não só envolve a ''sacanagem'', mas também a pesquisa, devidamente comentada nos livros. São quatro volumes de 112 páginas cada um, com impressão em formato maior do que originalmente lançado, já que na época era comum os ''catecismos'' virem em sulfites dobrados.


Depois de ''Quadrinhos Sacanas'', a editora também promete lançar a segunda antologia de ''Quadrinhos Sujos'', continuando o trabalho da Opera Graphica; e ''Maria Erótica e o Clamor do Sexo''. Além do material com conteúdo adulto, a Peixe Grande também já vem trabalhando na sequência de ''A Guerra dos Gibis'', do jornalista Gonçalo Júnior. Como o material tem distribuição limitada da Comix Book Shop, deve estar disponível somente em algumas livrarias e lojas especializadas.


SERVIÇO


- ''Cachalote'' é lançamento do selo Quadrinhos na Cia. e tem 280 páginas no formato 21 x 27, com preço sugerido de R$ 45.


- Os clássicos em quadrinhos lançados pela Farol HQ têm formato 16,5 x 26 cm, com número de páginas entre 72 e 88 e custam R$ 27,90.


- ''Quadrinhos Sacanas'', caixa com quatro livros de 112 páginas, custa R$ 69 e tem previsão de lançamento no dia 5 de julho. Só estará disponível em lojas especializadas.


O material citado acima pode ser encontrado em Curitiba na Itiban Comic Shop (Av. Silva Jardim, 845). O telefone de lá é (41) 3232-5367.


Acompanhe também meus textos no blog da revista IdeaFixa.


Twitter: @clangcomix

A maior parte dos textos publicados nesta coluna foi publicada na Folha de Londrina, tanto na versão impressa quanto na virtual.


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