Quando eu era criança, duas vinhetas de TV me deixavam em alerta: a contagem regressiva para o Jornal Nacional e a abertura do Fantástico. Motivo? Era hora de sair correndo da sala antes que meu sono pudesse ser contaminado pelas violentas manchetes anunciadas no início do programa.
Na minha casa, jornal da noite era programa de adulto, seja porque criança deveria dormir cedo, seja porque meu pai queria ver TV em paz. Mesmo que esta regra tenha me frustrado durante um tempo, depois eu comecei a perceber que, de fato, era muito melhor ir para a cama pensando nas piadas dos Trapalhões que nos tiros nas favelas do Rio, na guerra das Malvinas ou na bomba nuclear. Eu dormia melhor assim.
Naquela época, o quarto de dormir ainda era um dormitório e não um centro multimídia com aparelho de som, TV a cabo, DVD, micro e Internet. Deitávamos e dormíamos. Infelizmente, quando cresci, deitar e dormir se tornou cada vez mais difícil. Mesmo depois de ter tirado toda a parafernália digital do meu quarto, eu não pegava no sono facilmente. E se pegava, acordava cansada.
Trabalhando freneticamente num ritmo de 12 horas por dia, se eu dormisse 8 horas, acordava com sono. Se dormisse 12, também. Chegava o final de semana, eu só queria dormir. Feriado, idem. É como se passar 1/3 da vida dormindo não fosse suficiente.
De tão cansada, cheguei a dormir uma tarde inteira num quarto de hotel durante minhas férias. O detalhe é que eu estava em Paris. Que sonoterapia cara essa aí! Então descobri que não era apenas eu que necessitava urgentemente de sonoterapia. Meus colegas de trabalho também tiravam as horas de lazer para dormir, porque não dormiam bem nas horas de sono.
Foi quando me toquei de que o problema não era a maneira errada como eu vinha dormindo, mas como eu permanecia acordada. Dormir bem é mais uma questão do que você faz enquanto está acordado do que quando está dormindo. É simples de entender:
À noite, você vai a um bar com música alta; quando chega em casa e se deita, você ainda fica com um zumbido no ouvido. Agora troque a música pelos inúmeros estímulos sensoriais do dia a dia, e entenda porque não é a apenas o ouvido que zune, mas a cabeça toda.
Durante o dia, o telefone toca, os emails pulam na tela do micro, as pessoas falam sem parar, os carros freiam à sua frente, você come em 15 minutos e a TV fica ligada até tarde. Não tem mesmo como desligar e dormir bem. Para dormir bem, precisamos ser seletivos enquanto nos mantemos acordados. Temos de tentar conviver apenas com os estímulos que nos fazem bem e respeitar nosso limite.
Fácil de falar, difícil de pôr em prática, porque as pessoas acham que se não virem tudo, não lerem tudo, ou fizerem de tudo vão perder algo de muito importante em suas vidas ou vão ficar para trás. É a síndrome do "curtindo a vida adoidado". De fato, elas vão perder mesmo algo muito importante: a sua saúde.
Para ter um sono restaurador, é preciso aprender a ficar acordado. Se for impossível selecionar os estímulos que relaxam a mente, é preciso utilizar técnicas que compensem o stress e a ansiedade que o excesso de informação nos causam. Vale até mesmo ver um desenho animado para rir. Rir relaxa e acalma. Aliás, faça mais a risoterapia que a sonoterapia: você vai acordar com um sorriso nos lábios. Aposto que não há sono melhor do que este, não é?
Com carinho,
Shri Nitya Satyanarayana