A pandemia de Covid-19 trouxe reflexos aos processos de adoção que estavam em andamento.
A principal alteração está relacionada à fase de aproximação, período de até quatro meses (dependendo da idade do menino ou menina) em que ocorrem os primeiros contatos entre os pretendentes à adoção e as crianças e adolescentes, com visitas às casas de acolhimento, passeios, fins de semana e outros períodos curtos de convivência. Com o isolamento instituído, esse estágio passou a ocorrer de forma on-line e, em alguns casos, também ficou mais curto.
Segundo o Tribunal de Justiça do Paraná, nas situações em que crianças e adolescentes já estavam em fase de aproximação com pretendentes habilitados, os magistrados deferiram o início da convivência. Já para aqueles que estavam iniciando a aproximação, a interação e o conhecimento estão sendo realizados por meio de videoconferências.
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A mudança nas regras tem aspectos negativos, como comenta a promotora de Justiça Luciana Linero, do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Criança e do Adolescente e da Educação, unidade do Ministério Público do Paraná.
"A aproximação on-line é sempre preocupante, porque dificulta a avaliação do desenvolvimento dos vínculos afetivos desejados. Mas é um mal necessário nestes tempos em que as visitas às instituições estão suspensas justamente para preservar a saúde dos acolhidos. Talvez isso possa ensejar um alargamento do prazo do período do estágio de convivência, o que é preferível a termos situações de inadaptação e de devolução de crianças”, afirma.
Vantagens
Contudo, as alterações também tiveram aspectos positivos. Quando o isolamento começou, Raquel Gonçalves de Melo Ribeiro da Silva, de 37 anos, e seu marido, João Moacir Ostwald Farah, de 44, ambos advogados, estavam prestes a iniciar o estágio de aproximação com o menino de sete anos que desejam adotar, acolhido em Araucária.
Sem poderem fazer visitas e passeios nos fins de semana, eles tiveram os primeiros contatos por videoconferência. A experiência não foi muita satisfatória, porque, pela idade, o menino interagia pouco no meio virtual. No entanto, após uma semana com contatos on-line diários, eles receberam autorização para levá-lo para casa, em Curitiba.
"Para nós, foi ótima a possibilidade de termos ele logo conosco, pular fases, tornar tudo mais rápido. E o melhor foi que isso aconteceu num período em que eu e o meu marido podemos conviver com ele o dia todo, pois, em função da quarentena, estamos trabalhando em home office. Se isso ocorresse em qualquer outra fase, seria mais difícil, pois não poderíamos ficar com ele em tempo integral e ter esse contato mais intenso”, explica Raquel.
Até em relação à escola do garoto, ela diz que a experiência tem sido positiva. Ela e o marido não quiseram tirar a criança da escola que frequentava em Araucária, para não provocar mais mudanças na vida dele e facilitar a adaptação. Entretanto, como moram em Curitiba, seria trabalhoso levá-lo para a escola todos os dias. Como as aulas estão sendo pela internet nesse período, ele está conseguindo acompanhar os conteúdos, com apoio do casal.
Os três estão juntos há quatro semanas, e, segundo Raquel, tudo está sendo mais fácil do que o esperado. Ela sabe que ainda há um caminho relativamente longo até obter a guarda definitiva do menino e poder finalmente chamá-lo de filho, mas está certa de que tudo ocorrerá bem.
"Antes de irmos buscá-lo, já estávamos convictos de que não haveria espaço para desistência. Hoje, então, nem se fala. Já digo que daqui ele não sai mais”, conta a advogada.
Apoio
Para que a aproximação tenha êxito, e para maior proteção da criança, o casal tem recebido apoio intensivo da equipe do Juizado da Infância.
Nessas três semanas, nas segundas, às 6h30, antes de o menino acordar, Raquel e João têm reuniões com a assistente social – cada encontro dura entre uma e duas horas e é o momento em que todos podem esclarecer dúvidas (além disso, eles trocam mensagens constantes com a profissional).
A pessoa que cuidava dele no acolhimento também faz contatos frequentes para ver se precisa de algo – no começo, conversava com o menino, pois era uma referência forte para ele, mas agora apenas se colocou à disposição para ele ligar e conversarem sempre que ele sentir necessidade (o que ainda não aconteceu). A família também recebe visitas presenciais da psicóloga do Juizado, com o intuito de verificar como está a adaptação.
Raquel apresenta um perfil diferente em relação à maioria das mulheres que se candidatam para adoção. Ela não tentou ter filhos biológicos antes e desde o começo queria uma criança que não fosse muito pequena – com idade entre quatro e sete anos.
"Também não tinha preferência por gênero, mas, no fundo, sentia que seria mãe de um menino. É mais a minha cara”, conta.
Raquel iniciou o cadastro para adoção perto do período em que conheceu o marido. "No dia em que nos conhecemos, já falei para ele: estou iniciando o processo para adotar uma criança, e qualquer relacionamento afetivo não vai mudar isso.” A resposta dele foi surpreendente: "Não tem problema, pois eu também sou adotado”, lembra a advogada, que tem dois irmãos adotivos.
Essa foi só uma das inúmeras coincidências e afinidades entre os dois, como o fato de terem a mesma profissão e haverem nascido no mesmo dia. Agora, com a chegada do menino, a expectativa é de que a família fique completa. Para isso, o casal espera em breve receber a guarda provisória (solicitada na última segunda-feira, 25 de maio, Dia Nacional da Adoção) e finalmente poder apresentar o menino à família dos dois. "Queremos muito que ele seja nosso filho e poder passar a ele os valores que aprendemos com nossos pais”, revela Raquel.
Videoconferências e contatos por telefone
O Brasil tem 33.796 crianças e adolescentes vivendo em casas de acolhimento. A maioria (28.730, ou 85% do total) não está ali para ser adotada, havendo chances de retorno para os pais ou para a chamada família extensa – parentes próximos com quem convivem e mantêm vínculos de afinidade e afetividade.
Com o isolamento social, deflagrado como medida protetiva em função da pandemia de Covid-19, esses meninos e meninas não estão mais podendo receber visitas dos familiares, com os contatos ocorrendo também apenas de modo virtual.
Essa modalidade de interação não é a ideal para o restabelecimento dos laços familiares, mas é a única possível no momento. Por isso, nos casos em que se entendeu possível, o retorno de crianças e adolescentes aos lares foi antecipado, para possam passar o período de isolamento com seus familiares.
Já nas situações em que o retorno ainda não foi possível, as crianças e adolescentes continuam acolhidos e mantendo contato remoto com as famílias, por videoconferências e ligações telefônicas.
Essas medidas foram adotadas porque, quando se fala de crianças e adolescentes, a orientação é a mesma tanto para aqueles com possibilidade de retorno às famílias naturais como para quem está cadastrado para adoção.
"É preciso avaliar cada situação com um olhar bem cuidadoso e sempre focado na proteção integral e no melhor interesse da criança ou adolescente envolvido. Esse é sempre o ‘mantra’ dos promotores de Justiça que atuam na proteção desse público”, pontua a promotora de Justiça Luciana Linero.