Se para a maioria quase absoluta da humanidade a morte representa o piedoso esquecimento, para uns raros mortais ela atua de modo contrário - dá-lhes vida no exato instante da ruptura existencial. Foi o que aconteceu com Carmen Miranda. Quando seu corpo tombava no quarto de sua casa em Beverly Hills, fulminado por um infarto, na manhã de 5 de agosto de 1955, congelava-se a imagem para a posteridade.
A exposição "No Chica-Chica Boom de Carmen Miranda", que abre hoje (dia 8), às 19 horas, na Galeria da Caixa, em Curitiba, é mais uma evidência do fenômeno. Em torno das músicas que Carmen imortalizou, 20 artistas criaram as mais variadas colagens usando materiais como areia, resina, tinta e, é claro, papel. A mostra fica aberta ao público até o dia 24.
Os autores das obras pertencem à Associação dos Artistas Plásticos de Colagem - AAPC, entidade criada em São Paulo, em 1980, por Robert Richard. Mais tarde contaria com o apoio de Deni Saez. São eles os coordenadores da exposição. Nestes 20 anos a AAPC deixou as galerias e museus para levar a arte aos espaços alternativos. A rua foi um deles.
Leia mais:
Réveillon do Rio terá Caetano Veloso, Ivete Sangalo, Maria Bethânia e Anitta
Eduardo Paes sugere show de Lady Gaga no Rio de Janeiro para 2025
Anitta, Ivete Sangalo, Bethânia e Caetano estão entre as atrações do Réveillon do Rio
Coachella anuncia Anitta e Alok em edição liderada por Lady Gaga e Travis Scott
A associação chegou às teses acadêmicas, promoveu dezenas de mostras itinerantes, realizou workshops, palestras, bienais de colagem, e interagiu com cinema, teatro e dança. Nesta arte, dizem Richard e Saez, "nada se perde, tudo se transforma". E mais: "Nosso trabalho procura desmistificar a colagem, vista por alguns apenas como arte escolar e decorativa".
Turbantes e balangandãs
O Brasil silenciou, chocado, naquele 5 de agosto de 1955, quando Eron Domingues interrompeu a programação da Rádio Nacional para uma notícia extra do "Repórter Esso": Carmen Miranda morrera em sua casa, nos Estados Unidos, aos 46 anos de idade. Dias depois a cidade do Rio de Janeiro presenciaria o maior enterro de sua história. O País foi estraçalhado em sua alegria com o desaparecimento da cantora.
Assim como Carlos Gardel não era argentino, mas personificou o tango em sua arte, também Carmen Miranda não era brasileira, mas quando viajou aos Estados Unidos e transformou-se no grande sucesso de Hollywood, foi as cores do Brasil que ela levou na bagagem.
Nascida a 9 de fevereiro de 1909, em Marco de Canavezes, província portuguesa, Maria do Carmo Miranda da Cunha chegou ao novo País ainda bebê. Tinha apenas 10 meses. O pai, barbeiro, reuniu as economias, juntou mulher e seis filhos e veio tentar a vida em novas terras, mais precisamente no Rio. Fixou-se na Lapa.
Maria do Carmo foi trabalhar aos 15 anos como balconista e mais tarde, por conta própria, começou a confeccionar chapéus femininos, com arte e originalidade. Seu sonho era ser cantora; na tentativa de encontrar um caminho que a levasse ao sucesso, passou a se apresentar em festas beneficentes. O violinista e compositor baiano Josué de Barros apadrinhou-a: financiou aulas de canto e dicção, levou-a às rádios e gravadoras importantes da época.
O primeiro disco saiu pela RCA Victor, mas a importância capital da gravação na vida de Carmen foi ter sido ouvida pelo compositor Joubert de Carvalho. Este apaixonou-se pela interpretação segura da moça. Então, ele compôs "Pra Você Gostar de Mim", que seria batizada pelo público como "Taí". A marchinha obteve extraordinário sucesso naquele ano de 1930: vendeu a astronômica cifra de 36 mil cópias.
De pouca estatura - pouco mais de um metro e meio de altura - a "Pequena Notável" se equilibrava em sandálias de plataformas altíssimas, vestida de baiana. Assim fez sua estréia em Nova York, e em pouco tempo, era estrela na Broadway. Brilhar em Hollywood foi um passo natural. As mulheres copiavam suas criações - aliás, o estilo Carmen Miranda vai e volta, de forma sazonal -, os filmes que estrelava eram grandes sucessos.
Voltou ao Brasil em 1940 para curta temporada de shows, mas foi recebida com frieza, acusada de ter-se tornado "americanizada". Magoada, a artista entrou em depressão; essa dor iria acompanhá-la ao túmulo, 15 anos depois.
Atuou em 14 filmes da 20th Century-Fox, United Artists, Metro e Paramount. Saudada como "Brazilian Bombshell", fez enorme sucesso na Inglaterra; correu a Europa de ponta a ponta com a indumentária da baiana. Porém, Carmen Miranda nunca mais cantou no Brasil. Por ironia, a música de sua consagração, "Taí", pairava sobre a multidão calculada em 1 milhão de pessoas - segundo os jornais da época -, que fez do enterro o seu maior espetáculo.
Serviço: "No Chica Chica Boom de Carmen Miranda", colagens tomando como tema os sucessos de Carmen Miranda. Abertura hoje, às 19 horas, na Galeria da Caixa, Rua Conselheiro, 280. Permanece até o próximo dia 24, de segunda-feira a sexta-feira, das 10 às 20 horas.