Entre abril de 1946 a dezembro de 1948 circularam entre atentos leitores 21 números de uma revista literária que faria história - "Joaquim". A tiragem de mil exemplares seria determinante para a edição fac-similar que está sendo lançada com inusitado sucesso pela Imprensa Oficial. Atendendo a orientação do escritor Dalton Trevisan, que dirigiu a revista desde o número 1, uma caixa contendo a coleção completa não foi além de mil.
Por detrás desse projeto de emergir das sombras a comentadíssima e pouco conhecida "Joaquim" (mesmo o empresário José Mindlin, um dos maiores bibliógrifos do País, não possuía a coleção completa) está o diretor da Imprensa Oficial, Miguel Sanches Neto. Para ele a principal finalidade deste trabalho é justamente tornar acessível a leitura de uma revista que ainda hoje se mantém atual.
Há uma "pré-história" no vaivém das negociações até chegar a este resultado. Conta o diretor que quando fez doutorado na Unicamp, escolheu "Joaquim" como objeto de estudos. A tese "A Reinvenção da Província" analisou as relações que havia entre a publicação paranaense com outras mantidas em pequenos centros culturais na época, como Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Elas se representavam em seus Estados, na tentativa de expandir sua difusão.
Leia mais:
Espetáculo 'Arte Total' será promovido nesta sexta em Londrina
Morte de fã de Taylor Swift completa um ano com inquérito sem conclusão
Beyoncé anuncia nas redes sociais que fará show ao vivo no Natal
The Town anuncia Katy Perry como uma de suas principais atrações em 2025
Enquanto trabalhava na tese, Sanches Neto burilava a idéia de convencer Dalton Trevisan, que era proprietário da revista, a autorizar uma nova edição. Foram vários encontros, mas o escritor achava que ainda não era o momento. Ao assumir a Imprensa Oficial o primeiro projeto desenvolvido por Sanches Neto foi sobre "Joaquim".
O autor impôs condições: "Ele autorizou desde que não saísse prefácio nenhum, capa nenhuma, nenhum texto sobre a revista. Daí fizemos uma edição da revista em si, só tem a caixinha e a revista. Não acrescentamos nada em termos de análise crítica, prefácio, posfácio atendendo assim à recomendação dele".
Pois bem, estão aí os 21 números. Pouca gente sabe, porém, o trabalho que deu recuperar o material. Como a edição original não tinha uma qualidade de impressão compatível, foi preciso "limpar as imagens" que estavam deterioradas, além de letra por letra de cada texto. Esse processo desenvolvido no computador consumiu seis meses de trabalho, com cerca de 10 a 15 pessoas envolvidas.
Entre a idéia na Unicamp e o projeto concluído passaram-se seis anos (1994/2000). Outro "sonho inicial" do diretor da Imprensa Oficial seria o lançamento da obra em CD-rom. "Diante da grande procura que está tendo, talvez a gente acabe fazendo isso, se o Dalton autorizar. Ainda não conversei com ele sobre isso", conta Neto. "Seria uma maneira de agilizar pesquisas - a pessoa quer pesquisar alguma coisa na revista, ela entraria e faria a procura".
Sabe-se que o escritor está satisfeito com o trabalho. "Nós também", acrescenta Neto, pois a série é importante "não só para entender a obra do Dalton, como também para entender o momento em que o Paraná se transformou num pólo moderno de literatura", explica. Ele resume essa história:
- No Paraná ficamos simbolistas por vários anos, após o fim do simbolismo. Praticamente até a década de 40 o poder ainda estava nas mãos de remanescentes do período simbolista. Então não tivemos um movimento modernista. Até houve, mas foi muito fraco, quase caricaturesco. A revista Joaquim vai introduzir a modernidade dentro do Paraná. Essa foi a importância local da revista. Nacionalmente foi importante porque criou uma gramática de revista jovem. As revistas da época eram sisudas, com muito texto, pouca imagem. A união Dalton Trevisan/Poty deu à "Joaquim" um caráter mais leve, mais solto, com textos muito mais palatáveis, mais digeríveis e com muita imagem, muita ilustração.
Marcou tanto a jovialidade com que se tratava da literatura, que a revista acabou fazendo escola. Depois dela, mas seguindo os mesmos moldes, surgiram outras."Ela criou um modelo no Brasil naquele período. Também fortaleceu muito a relação entre as províncias, sem passar necessariamente por São Paulo e Rio. Dalton tinha contato direto com o Ceará, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goiás, Minas Gerais, Bahia. Isso tudo dava para a revista um poder muito grande de relacionamento. Então ela teve uma importância estratégica no fortalecimento das províncias", discorre Neto.
Sob a orientação de Dalton a publicação aglutinava talentos não só da literatura, como abria espaço aos artistas plásticos. Com isso, transformou o perfil de Curitiba dando-lhe traços cosmopolitas. Por essas e outras, ainda hoje "Joaquim" detém enorme importância editorial e cultural.
"Ela continua sendo válida para quem se interessa por jornalismo cultural. É uma revista que vê o Brasil e o mundo a partir de Curitiba e não uma revista apenas preocupada com Curitiba. Ela publica gente de fora e, ao mesmo tempo, leva as pessoas daqui para fora. Então acho que existe ali um modelo que continua sendo válido".
Outro aspecto ainda a ser considerado, segundo Sanches Neto, é o da evolução estilística de Dalton Trevisan. Pode-se acompanhar esse processo nas páginas de "Joaquim":
- Se você pega, por exemplo, um conto chamado "O Bem Amado" - sairia mais tarde no livro "Novelas Nada Exemplares", como "Boa-noite Senhor" - a gente vai ver que em dez anos, ou pouco mais, sua obra sofreu uma mudança brusca, e como ele passou de um estilo mais discursivo para esse estilo elíptico que o caracteriza hoje. Então acho que a vinda da revista abre perspectivas não só de consulta, mas acho que mesmo de possibilidades de influência. Outra questão bastante interessante é a crítica que Dalton faz ao provincianismo no Paraná. Existe uma secção chamada "Ah! as Idéias da Província", onde ele coletava nos jornais e livros paranaenses da época o que achava que era excesso de provincianismo. Ele transcreve esses trechos. Existe ali um próprio desejo de reinventar o Paraná.
Serviço: "Joaquim", coleção fac-similar da revista que circulou entre 1946 e l948, estará à venda nas livrarias. Custa R$ 50,00. Não sendo encontrada, pode ser pedida diretamente à Imprensa Oficial, telefone (41) 352-9802, fax (41) 352-7678.