A campanha da Abead (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas), que visa alertar mulheres grávidas para os riscos que o consumo de bebidas alcoólicas na gestação pode trazer para os filhos, definiu como tema a frase “Se você bebe, o seu bebê também bebe”. A entidade busca prevenir o álcool na gestação, para evitar o que os especialistas chamam de SAF (Síndrome Alcoólica Fetal).
No Dia Nacional de Combate ao Alcoolismo, comemorado nesta sexta-feira (18), a psiquiatra destaca os riscos de desenvolvimento da SAF, que ainda é subnotificada no Brasil e subtratada, por não ser identificada durante a gestação. Segundo ela, não existe informação, principalmente para quem trabalha na rede de atenção primária à saúde e que faz o pré-natal, “que são as enfermeiras, os ginecologistas”, para identificar a mulher que está bebendo.
A síndrome tem alto impacto na vida da criança, dos pais e da sociedade como um todo. De acordo com a Abead, não existe bebê seguro durante a gestação porque qualquer quantidade de bebida pode trazer complicações que incluem retardo mental, microcefalia, baixo peso ao nascer, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, além de complicações gestacionais.
Estudos mostram que entre 12% e 22 % das mulheres grávidas apresentam históricos de consumo de álcool durante a gravidez. Essa ingestão de álcool pode variar de beber ocasionalmente ao consumo excessivo semanal e até ao uso crônico durante os nove meses da gestação. A Abead defende medidas preventivas para o uso de álcool por mulheres grávidas devido ao risco de desenvolvimento da SAF. A estimativa é de que cerca de 1,5 mil a seis mil crianças nasçam com a síndrome todos os anos no Brasil.
A Associação sugere, entre as medidas preventivas, a adoção de rótulos de advertência sobre o álcool nas embalagens das bebidas, utilizando-os como ferramentas para aumentar a conscientização sobre os riscos gerados pelo produto. Também recomenda abordagens mais amplas de políticas públicas para o controle do consumo, com informações direcionadas ao público-alvo e específicas sobre beber na gestação.
A entidade apoia o PL (Projeto de Lei) 4.259/2020, em tramitação na Câmara dos Deputados, que institui o sistema de prevenção à Síndrome Alcoólica Fetal, bem como dispõe sobre a obrigatoriedade de advertência dos riscos relacionados ao consumo de bebidas alcoólicas durante a gravidez.
“É uma das primeiras iniciativas que começam a colocar a advertência em bebidas alcoólicas, indicando que a mulher não pode beber, como já existe em outros países. Acho que isso pode ajudar”, afirmou Alessandra.
Adolescentes
Para a presidente da Abead, outro problema que deve ser atacado sem
demora por meio de políticas públicas é o consumo de álcool cada vez
mais cedo entre os jovens. De acordo com a PeNSE (Pesquisa Nacional de
Saúde do Escolar), divulgada em setembro do ano passado, 34,6% dos
estudantes consultados haviam experimentado bebida alcóolica pela
primeira vez antes dos 14 anos, sendo o percentual maior entre meninas
(36,8%) do que entre meninos (32,3%). Mais de 63% dos estudantes
entrevistados tomaram uma dose de bebida alcoólica em 2019, contra 61,4%
em 2016.
O Terceiro Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas
pela População Brasileira, realizado pela Fiocruz (Fundação Oswaldo
Cruz) e divulgado em 2019, confirmou a dependência de álcool entre
adolescentes. Segundo o estudo, sete milhões de brasileiros menores de
18 anos, ou o correspondente a 34,3%, disseram já ter consumido bebida
alcoólica na vida, sendo que 119 mil jovens entre 12 e 17 anos
apresentavam algum tipo de vício em álcool.
“É um fenômeno
mundial”, disse Alessandra Diehl. Os jovens estão bebendo cada vez mais
cedo. A PeNSE mostra claramente que eles começam em torno dos 14 anos”.
O
hábito entre mulheres, que começa quando jovens e se perpetua, também
preocupa a Abead, que vem chamando a atenção para o fenômeno há algum
tempo. No entanto, segundo a presidente da entidade, não há
correspondência em termos de políticas públicas que olhem para essa
questão do gênero. “Acho que esse é o nosso gap (lacuna) aqui no
Brasil”.
Alessanda advertiu que embora haja no país uma
legislação que proíbe a venda de bebidas para adolescentes, os jovens
conseguem comprar bebidas alcoólicas facilmente. “É fácil e não há
fiscalização”, afirmou.
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Geladinho
A psiquiatra lembrou que um
novo produto acaba de ser lançado, em parceria com uma indústria de
bebidas, apresentando teor alcoólico de 7,9%.
“É um geladinho que
contém álcool, tem colorido muito interessante e que atrai, sem dúvida,
o jovem. Quero ver como vai ser a fiscalização para a venda desse
produto, com teor alcoólico de 7%. São coisas que vão causando impacto
entre para a iniciação precoce no Brasil”.
Na sua opinião, uma
parcela significativa desses jovens vai evoluir para uso mais regular e
um padrão de dependência. Por si só, acrescentou, o alcoolismo já é um
problema de saúde pública imenso.
O professor de psiquiatria da
PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro, Jorge Jaber
Filho, se referiu também a essa espécie de geladinho, com 7,9% de teor
alcoólico, cujas amostras estão sendo distribuídas no país gratuitamente
e que pode estimular o uso por adolescentes.
Jaber advertiu que
as principais causas de morte de jovens nas grandes cidades são os
acidentes, especialmente de trânsito, que envolvem consumo de álcool não
só pelo condutor do veículo mas também pelos menores de idade na via
pública. Em segundo lugar, aparecem os homicídios e, na terceira
posição, o aumento de suicídio entre jovens que utilizam álcool e
substâncias químicas, sendo o álcool em maior quantidade.
“Em
termos de saúde pública entre os jovens brasileiros, a liberação do
álcool é devastadora, porque envolve as três principais causas de
morte”, disse o psiquiatra.
Recomendações
Uma das recomendações
feitas pela presidente da Abead no Dia Nacional de Combate ao Alcoolismo
é que os pais devem estar atentos ao comportamento de beber dentro de
casa, porque as crianças tendem a imitar o exemplo dos adultos.
“Se
a gente consegue postergar a iniciação de beber na adolescência, se o
jovem começar a experimentação acima dos 18 ou 21 anos, as chances desse
adolescente vir a desenvolver dependência diminuem em 50%. Essa é
questão importante”. Para Alessandra, isso tem a ver também com
propaganda, fiscalização da venda de bebida alcoólica, ou seja,
diminuição da demanda.
Segundo a médica, é preciso aumentar os
fatores de proteção, entre eles o convívio com atividades mais saudáveis
que não incluam bebida alcoólica e o aumento de práticas relacionadas à
prevenção ao consumo de álcool, como a realização de refeições em
família.
“Parece pouco. Mas há uma série de estudos que avaliaram
o quanto fazer refeições em família previne o uso de álcool e outras
drogas, principalmente no contexto brasileiro”. Incentivo à leitura,
religiosidade, espiritualidade, educação, menos jogos e convívio com
áreas que não utilizam bebida são outras indicações da presidente da
Abead.
Procurado pela Agência Brasil, o Ministério da Saúde
informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que está em elaboração
uma linha de cuidados sobre álcool e drogas para lançamento no próximo
mês de abril.
Permissividade
Jorge Jaber Filho lembrou ainda que é
comum o consumo de álcool começar dentro da própria família. Argumentou
que muitos pais acham que o fato de o filho tomar uma cerveja não tem
nenhum problema quando, na verdade, estão estimulando o uso do produto
que traz efeitos negativos para a saúde orgânica e mental. “De maneira
geral, a sociedade é muito permissiva com o uso do álcool”.
Para
ele, embora a venda de bebidas alcoólicas seja proibida para menores, o
que ocorre é um desrespeito à lei, atingindo uma atividade alarmante,
que é a venda de bebidas para adolescentes em postos de gasolina. O
mesmo acontece em festas e shows, onde é comum ver jovens com garrafas
de refrigerante contendo bebidas alcoólicas misturadas. “Não há nenhuma
manifestação da sociedade para coibir isso. É considerado normal”.