''Não tenham medo de nós. Todos somos iguais''. Com essa frase, dita na Conferência Internacional sobre Aids de Durban, em 2000, o menino africano Nkosi Johnson, à época com 11 anos, se tornou conhecido no mundo todo e virou um dos símbolos da luta contra a doença. Ele nasceu infectado, morreu em 2001, teve sua história contada em livro e, agora, em filme. Assim como Johnson, quase 20 mil crianças brasileiras com menos de 12 anos nasceram ou foram infectadas com o HIV, vírus causador da aids. No mundo todo, são mais de 600 mil, contando só as que não recebem medicamento.
De 2000 até hoje, novos medicamentos chegaram ao mercado, e a vida dos pacientes vem melhorando. No entanto, a aids continua infectando brasileiros com menos de 12 anos e nem sempre as políticas públicas voltadas a essas crianças atendem às suas necessidades. E pouco se sabe sobre sua situação.
Essa realidade - de dados escassos e políticas isoladas - é compartilhada por crianças que vivem em abrigos, pelos filhos de imigrantes ilegais e de pais que estão presos. Inseridas em um círculo que perpetua a pobreza, essas crianças acabam, de certa forma, invisíveis para a sociedade.
É o caso de Marta, que nasceu numa penitenciária e aos 4 meses foi levada a um abrigo; de Denis, que nasceu com HIV; de Juan, que aos 8 anos saiu da Bolívia para morar na região central de São Paulo; de Paulo, que desde os 5 anos pede dinheiro num cruzamento.
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A mãe de Marta reencontrou a filha quando terminou de cumprir sua pena. Com a ajuda de uma assistente social, chegou ao local onde ela estava. Se encontraram por dois anos, até que a mãe reincidiu no crime - tráfico - e foi presa outra vez. Na semana passada, Marta completou 9 anos. A Justiça estuda liberá-la para adoção, mas a garota resiste à idéia. ''Ela (a mãe) disse que vem me buscar'', fala.
De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), há 80 mil crianças afastadas dos pais, morando em instituições, como ela. E 78% das mulheres que estão presas no Estado têm ao menos um filho.
Denis nunca conheceu o pai. A mãe já morreu. Agora, aos 10 anos, ele depende dos cuidados de uma instituição dedicada a cuidar de crianças soropositivas. Com o coquetel de anti-retrovirais, poderá ter uma vida bastante semelhante à de qualquer outro garoto. Porém, já enfrenta um efeito colateral dos medicamentos, o deslocamento de gordura pelo corpo - problema até então enfrentado apenas pelos adultos.
Juan tem 7 anos e conta, num portunhol devagar, que vai começar a frequentar a escola no ano que vem, mas que antes queria aprender a falar português como os outros meninos. Junto com um vizinho, ele passa os dias trancado em casa. Seus pais trabalham cerca de 14 horas por dia, incluindo muitos fins de semana. Estimativas da Pastoral do Imigrante apontam para cerca de 200 mil imigrantes ilegais em São Paulo - não se sabe, no entanto, quantos são crianças.