Três anos de vacinação contra rotavírus diminuíram em 22% o número de mortes de crianças com menos de 5 anos por diarreia grave no País. Internações pelo problema caíram 17% no período. Em valores absolutos, o programa evitou a internação de 130 mil crianças e a morte de 1,5 mil.
É o que mostra um estudo publicado na PLoS Medicine, o primeiro a avaliar o impacto da imunização contra rotavírus em um cenário de "mundo real", fora do contexto dos testes clínicos.
No trabalho, os pesquisadores compararam dados de internação e mortalidade nos três anos seguintes à inclusão da vacina - de 2007 a 2009 - com os anos anteriores à adoção do imunizante - de 2002 a 2005.
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O Brasil foi o primeiro país a incluir a vacina no seu calendário nacional de imunizações, em 2006. À época, vários pediatras brasileiros consideraram temerária a decisão.
Em 1998, havia sido licenciada a primeira vacina contra rotavírus nos Estados Unidos. Um ano depois, ela foi suspensa, pois aumentava a ocorrência de obstruções intestinais, quadro clínico grave, em crianças que receberam a vacina após os seis primeiros meses de vida.
"Com o trauma, as exigências de segurança cresceram muito", recorda o virologista Eduardo Volotão, do Laboratório de Virologia Comparada e Ambiental do Instituto Oswaldo Cruz (IOC-Fiocruz). "O FDA (agência americana de vigilância sanitária) só aprovou uma nova vacina contra rotavírus dez anos depois."
Trauma
Em boa medida, o estudo da PLoS Medicine coroa os esforços para superar o trauma da vacina de 1998, comprovando que a imunização contra o rotavírus realmente diminui a mortalidade infantil. Assinam o trabalho estudiosos do Ministério da Saúde, da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e do Centro de Controle de Doenças (CDC, na sigla em inglês), nos Estados Unidos.
A vacina aprovada pelo FDA em 2008 é a Rotarix, da GSK Bio, a mesma usada pelo governo brasileiro desde 2006. Ela é monovalente, ou seja, funciona para um único sorotipo do vírus: o G1. Contudo, testes apontam que há proteção cruzada para outros sorotipos, como o G3, o G4 e o G9.
Em 2008, Bio-Manguinhos assinou um contrato de transferência de tecnologia com a GSK Bio. Em tese, o País produzirá sua própria vacina a partir de 2013. Até lá, comprará o produto da farmacêutica britânica. Cada dose custa US$ 7 (cerca de R$ 11). São necessárias duas doses para conferir proteção contra a doença.
Outros fornecedores. No mercado, há também uma vacina pentavalente (para cinco sorotipos do vírus) chamada RotaTeq, produzida pela Merck.
Na rede pública, qualquer criança pode receber a Rotarix de graça: uma dose no segundo mês de vida e outra no quarto.
"Quem costuma consultar o pediatra na rede privada, normalmente, prefere pagar pela vacina pentavalente RotaTeq", afirma Celso Granato, infectologista do Fleury Medicina e Saúde.
Cada dose custa cerca de R$ 150. São necessárias três doses: no segundo, quarto e sexto mês de vida.
Volotão afirma que há poucos trabalhos comparando o impacto de cada uma das vacinas na diminuição das diarreias graves em crianças.
"O único país onde os dois produtos são utilizados de forma concomitante, mas em regiões diferentes, é a Austrália", diz o pesquisador. "E os estudos australianos mostram que não há grande diferença do ponto de vista da saúde pública."
Em 2005, o Instituto Butantã anunciou que pretendia produzir uma vacina pentavalente contra o rotavírus.
Isaias Raw, presidente do Conselho Técnico-Científico da Fundação Butantã, afirma que a vacina já passou pela fase 1 dos testes clínicos. Os resultados ainda serão publicados.
Raw avalia que a utilização da vacina da GSK Bio no Programa Nacional de Imunizações praticamente inviabilizou a realização dos testes de fase 2 no País. "Todas as crianças já recebem a Rotarix", aponta o cientista. "Estamos conversando com a Opas para realizar os testes em outro país latino-americano", aponta o pesquisador brasileiro.
A Fundação Bill e Melinda Gates financiou parte da pesquisa do Butantã. "Eles também estão investindo em laboratórios de outros países - dois na Índia e três na China - para produzir o mesmo produto", conta Raw.
Prevenção
Vacina não substitui saneamento básico e higiene, sublinha Volotão. Ele recorda que regiões com boa infraestrutura possuem menos sorotipos circulantes do rotavírus, o que aumenta a eficácia da vacina.
O laboratório onde ele trabalha, no IOC-Fiocruz, produziu boa parte dos dados brutos que fundamentaram as conclusões do artigo publicado da PLoS Medicine.
Panorama global
Calcula-se que, no mundo, 1,34 milhão de crianças com menos de 5 anos morrem todos os anos de diarreia grave. O rotavírus é responsável por um terço dos casos da doença.
Entenda a doença
O rotavírus costuma causar diarreia aguda. Atinge, principalmente, crianças menores de 5 anos, mas também afeta adultos, embora com menor gravidade. Pode ocasionar surtos em escolas, berçários, creches e hospitais. Os principais sintomas são diarreia abundante (de três a oito dias), vômito, febre alta e dores abdominais. Os sintomas aparecem dois dias depois do contato com o vírus. A evolução do quadro pode causar uma desidratação grave, que, se não for tratada adequadamente, pode ser fatal.
A transmissão costuma ocorrer por contato com água, alimentos ou objetos contaminados por fezes de pessoas infectadas.