Eu Contra Eu
Quando o HOMEM, ainda jovem, desejou cometer o primeiro desatino, aproximou-se o Bom-Senso e observou-lhe:
Detém-te! Por que te confias assim ao mal?
O interpelado, porém, respondeu orgulhoso:
Eu quero.
Passando, mais adiante, à condição de perdulário e adotando a extravagância e a loucura por normas de viver, apareceu a Ponderação e aconselhou-o:
Pára! Por que te consagras, desse modo, ao gasto inconseqüente?
Ele, contudo, esclareceu, jactancioso:
Eu posso.
Mais, tarde, mobilizando os outros, a serviço da própria insensatez, recebeu
a visita da Humildade, que lhe rogou piedosa:
Reflete! Por que não te compadeces dos mais fracos e dos mais ignorantes?
O infeliz, todavia, redargüiu, colérico:
Eu mando.
Absorvendo imensos recursos, inutilmente, quando podia beneficiar a coletividade, abeirou-se dele o Amor e pediu:
Modifica-te! Sê caridoso! Como podes reter o rio das oportunidades sem
socorrer o campo das necessidades alheias?
E o mísero informou:
Eu ordeno.
Praticando atos condenáveis que o levaram ao pelourinho da desaprovação
pública, a Justiça acercou-se dele a recomendar:
Não prossigas! Não te dói ferir tanta gente?
O infortunado, entretanto, acentuou implacável:
Eu exijo.
E assim viveu o Homem, acreditando-se o centro do Universo, reclamando,
oprimindo e dominando, sem ouvir as sugestões das virtudes que iluminam
a Terra, até que um dia, a Morte o procurou e lhe impôs a entrega do corpo físico. O desditoso entendendo a gravidade do acontecimento, prosternou-se diante dela e considerou:
Morte, por que me buscas?
Eu quero - disse ela.
Por que me constranges a aceitar-te?, gemeu triste.
Eu posso - retrucou a visitante.
Como podes atacar-me desse modo?
Eu mando.
Que poderes te movem?
Eu ordeno.
Defender-me-ei contra ti clamou o Homem, desesperado duelarei e
receberás a minha maldição!...
Mas a Morte sorriu, imperturbável, e afirmou:
Eu exijo.
E, na luta do "eu" contra "eu", conduziu-o à casa da Verdade, para maiores lições.
* Pelo espírito Irmão X, no livro "Contos e Apólogos".